Por Zé Carlos Gonçalves
No seio da mãe Chapada, viveu “a mulher coragem”, a desafiar os horrores da penúria.
A madrugada se tornava o alerta de que a vida se mostrava feroz. Ia à busca de água no poço de pedra, que se instalou no baixão da enseada de Zequinha Roxo. Logo ali. Duas horas e meia de caminhada. Ida e volta. A lata na cabeça, entronada numa rodilha, e um balde na mão. O filho mais novo, escanchado na cintura, buscava, na fome desesperada, o peito seco e murcho, que nada mais lhe dava.
Enchido o surrado pote, que dormia na sonolenta estaca, muito pouco, para os afazeres domésticos e para o asseio “da renca de filhos”, restava. Mas, com esse pouco, “ia se virar” por todo o dia.
Os pequenos acordavam, só quando “o sol, vivinho da silva”, ia invadindo as frestas entre as poucas e esfarrapadas palhas, em feixes de luz finíssimos, a “alumiar” a lida da “mulher fortaleza”.
“Arguns piqueno caío im un berrero terríve”. Tão impacientes ficavam com a demora do bendito angu de farinha. Só água e sal. Os maiorzinhos socorriam os menorzinhos, que se mantinham mudos, a fitar o nada, e nenhuma reação esboçavam. Depois, ao ir ao chão, eram esquecidos por um bom tempo.
O certo é que Rosa não se permitia descansar. E, logo, saía para brigar com o mato, em que iria ser a pequena roça. Sem ajuda, não lhe era permitido um espaço maior. A lenha era recolhida e carreada para uma cobertura já comida pelo tempo. Alguns dias depois, fazia a queima, à espera do tempo certo, para fazer o plantio, que ia garantir o sustento, ainda que parco, do casebrinho entulhado de bocas.
Apegava-se à esperança de boa safra, mas sempre desconfiada da bondade dos santos. Da chuva e da fartura.
Essa era a lida de Rosa Doçura. O nome mais apropriado para a morena guerreira, que enfeitava as belezas da Chapada. ROSA. A atrair “zangõeis, qui, au prová ela, améim! S’incantavo, pra sempre”. Alguns ficavam com a cabeça virada. Outros morriam e matavam por ciúmes. E muitos outros morriam de verdade! Era a DOÇURA, a espalhar “as suas doçuras”. No gestos e nas gargalhadas, que ecoavam pelas campinas e pelas capoeiras. E na barriga, “d’onde ia brotano mínino, cum’a froresta a s’ispalhar pur u imundo terrero”. Que “docinhos” de todas as cores e feições! Era já “uma escadinha”, quase sem fim. Galego, mulato, azeitão, moreno, preto, enchambuado, gazo (…)
Ali, a miscigenação se fazia de fato e de direito, na vida da autêntica e doce “filha da Chapada”.
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