Por José Andrade*
Intervenção proferida esta terça-feira (24/09/2024), na cidade de São Luís, a capital do Estado do Maranhão , que foi organizada por açorianos há mais de 400 anos:
“A relação histórica entre Açores e Maranhão é fundamental, tanto para os Açores quanto para o Maranhão.
Para os Açores, ela inaugura o movimento emigratório que levaria uma parte importante do povo açoriano para o Brasil em geral, mas também, depois e sobretudo, para os Estados Unidos e Canadá.
Para o Maranhão, ela representa o início formal da própria organização da cidade de Sao Luiz. E isso nem sempre é devidamente conhecido e reconhecido.
Por isso, começo por citar o historiador maranhense Euges Lima, antigo presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.
No congresso internacional comemorativo dos 400 anos de presença açoriana no Maranhão, aqui realizado em 2019 por ocasião da fundação da Casa dos Açores do Maranhão, ele demonstra o essencial dessa nossa relação histórica, assim resumida:
“A colonização açoriana no Maranhão e, em especial, em São Luís, é um tema que ficou meio esquecido da história e memória da cidade“.
Raramente se remete aos colonizadores açorianos, sua importância e legado, que para cá imigraram nos primeiros decénios dos seiscentos.
Talvez a explicação para esse esquecimento seja o mito da fundação francesa que foi inventado há mais de cem anos pela historiografia, ofuscando e deslocando o legado concreto dos portugueses para um “legado” imaginário e inexistente da contribuição francesa na origem da cidade.
Os açorianos foram os responsáveis pelos primeiros passos da municipalidade e início da cidade. A instalação do primeiro Senado da Câmara de São Luís foi obra deles.
Em 1619, Simão Estácio da Silveira – um dos pioneiros da colonização portuguesa no Maranhão, de origem açoriana, chega aqui e se torna o primeiro presidente da Câmara de São Luís.
A festa do Divino Espírito Santo foi trazida por eles;
A arquitetura das antigas casas rurais de São Luís e de várias regiões do interior do Estado são de origem açoriana – possivelmente o Bairro do Desterro, um dos mais antigos da cidade, foi fundado por eles.
São esses portugueses das ilhas que vão iniciar o processo de colonização civil da cidade de São Luís, após a expulsão dos franceses por Portugal em 1616.
Os portugueses que vieram para cá eram militares, faziam parte dessas expedições lusas de reconquista. É com a primeira leva de colonos açorianos em 1619, depois a segunda em 1621 e por aí em diante, que o projeto de colonização civil de São Luís tem início efetivamente.
A intensificação do fluxo migratório de açorianos para o Brasil, principalmente para o Maranhão e Grão-Pará, se deu na conjuntura da expulsão dos franceses do Norte do Brasil, da Ilha de São Luís.
Para a coroa portuguesa nesse momento de União Ibérica, a consolidação da colonização portuguesa na região da bacia e foz do Amazonas era uma prioridade. Portanto, era necessário a implantação de núcleos de povoamento na região e o recrutamento de açorianos foi a solução encontrada.
Um dos capitães e líderes desse processo migratório foi Simão Estácio da Silveira, que era capitão de navio, professor de agricultura, cronista, desenhista, desbravador e procurador das coisas do Maranhão. Ele chegou aqui, possivelmente, por volta de 11 de abril de 1619. Era capitão de um navio com quase 300 pessoas.
Vieram para o Maranhão e Grão-Pará, com essa primeira leva, cerca de 200 casais açorianos, mas só desembarcaram no porto de São Luís 95 casais com alguns solteiros, num total de 461 almas. São essas as primeiras famílias de açorianos que vão colonizar São Luís.
A organização urbana e a origem da municipalidade de São Luís começam efetivamente a partir daí, com a instalação do Senado da Câmara. A criação do estado colonial do Maranhão, separado do estado do Brasil, surgiu nesse contexto, como uma forma de desenvolvimento da região. Simão Estácio da Silveira foi um entusiasta da colonização do Maranhão e do Pará.
O livro “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, uma espécie de material publicitário para atrair novos colonos, sua obra de maior vulto, foi publicada em Lisboa, em 1624 – este ano está completando 400 anos de sua primeira edição.” Fim de citação.
É por tudo isso que estamos aqui, 400 anos depois. De facto, vivemos nos Açores há quase 600 anos, desde 1427, e há mais de 400 anos que saímos dali, primeiro, em 1629, acrescentando às nove ilhas do Atlântico Norte uma décima ilha de São Luiz na América do Sul.
Na sua fase inicial, a emigração açoriana dirige-se para a região do nordeste brasileiro, para o Maranhão.
O historiador açoriano Luís Mendonça, no seu livro “História da Emigração Açoriana – Séculos XVII a XX”, que tive o gosto de apresentar este mês na Casa dos Açores em Lisboa, identifica alguns desses primeiros movimentos transatlânticos:
Em meados do século XVII, partem para o Maranhão 100 casais da Ilha De Santa Maria, que contavam de 500 a 600 pessoas;
Em 1675, seguem da Ilha do Faial para o Pará 50 casais com 234 pessoas e há outros 200 casais que trocam a pequena ilha Graciosa pelo grande território do Maranhão;
Em 1722, a ilha do Pico regista mais de 300 casais alistados para passarem a viver no Maranhão com mais de 1700 pessoas, o equivalente a cerca de 20% da população então residente na ilha montanha dos Açores.
O Maranhão marca assim a emigração açoriana até meados do século XVIII, com três caraterísticas específicas:
Em primeiro lugar, era uma emigração de casais e, inclusive, por ilhas, com o duplo propósito de servir a política colonizadora da Coroa portuguesa e de facilitar o espírito de união entre os que partiam.
Em segundo lugar, não havia, por conseguinte, uma emigração livre – as pessoas só iam se e para onde a Coroa achava conveniente, no sentido de melhor servirem os interesses nacionais.
Em terceiro lugar, e por norma, eram situações excecionais – como calamidades naturais ou miséria comprovada das populações – que motivavam os movimentos de emigração ou colonização entre os Açores e o Maranhão.
O Maranhão foi a porta de entrada da emigração açoriana no Brasil, mas os açorianos dispersaram-se um pouco por todo o imenso território brasileiro.
No século XVIII, chegámos ao Brasil meridional para povoar Santa Catarina, em 1748, e Rio Grande do Sul, em 1752.
E fomos ainda mais longe, até ao Uruguai, para fundar a cidade de San Carlos, em 1763.
No segundo ciclo da emigração açoriana para o Brasil, já no século XIX, chegámos ao Rio de Janeiro, a São Paulo, a Salvador da Bahia e já antes havíamos marcado presença noutros estados brasileiros como Minas Gerais ou Espírito Santo.
Em resultado e como testemunho dessa relação histórica entre Açores e Brasil, existem já sete “embaixadas” simbólicas da herança cultural açoriana na grande nação brasileira:
A Casa dos Açores do Rio de Janeiro, fundada em 1952;
As Casas dos Açores de São Paulo e da Bahia, fundadas ambas em 1980;
A Casa dos Açores de Santa Catarina, em 1999;
A Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul, em 2003;
A Casa dos Açores do Maranhão, em 2019;
E a Casa dos Açores do Espírito Santo, em 2022.
Sendo embora uma das mais recentes das 18 Casas dos Açores no mundo – em Portugal, Brasil, Estados Unidos, Canadá, Uruguai e Bermuda – a Casa dos Açores do Maranhão, historicamente, devia ter sido a primeira de todas. A sua criação há cinco anos, assinalando quatro séculos de presença açoriana no Maranhão, foi um ato de justiça histórica.
Estão, por isso, todos de parabéns – desde o seu presidente fundador e agora presidente honorário, Paulo Matos, até ao seu atual presidente, Raphael Guará, passando pelo conselheiro da diáspora açoriana que representa os demais Estados do Brasil, Aristides Bittencourt, entre outros.
Mas a criação da Casa dos Açores do Maranhão não foi um ponto de chegada. Ela é um ponto de partida. Por isso estamos aqui, para reiterar e reforçar a relação do Governo dos Açores com o Estado do Maranhão.
Em breve teremos uma Praça dos Açores na cidade de São Luís e uma sede própria para a Casa dos Açores, provando, afinal, que o nosso passado tem presente e que o nosso presente tem futuro.
Muito obrigado por serem o testemunho dos Açores no Maranhão!”
*Jose Andrade, Diretor Regional das Comunidades do Governo dos Açores
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