Câmara aprova urgência para segundo projeto de regulamentação da reforma tributária

Discussão da proposta começa nesta terça-feira (13/08/2024)

A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24, o segundo texto de regulamentação da reforma tributária, contendo detalhes da gestão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de seu comitê gestor, da partição de receitas do novo tributo, além de regulamentar o imposto incidente sobre doações e causa mortis e a contribuição de iluminação pública. A proposta começa a ser discutida pelo Plenário na sessão desta terça-feira (13).

O primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/24), que regulamenta o IBS e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), foi aprovado pela Câmara em julho e aguarda agora a análise do Senado.

Criado para substituir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), o IBS será gerido pelo Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), que reunirá representantes de todos os entes federados para coordenar a arrecadação, a fiscalização, a cobrança e a distribuição desse imposto aos entes federados, elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota; entre outras atribuições.

Segundo o texto, o CG-IBS será uma entidade pública sob regime especial, dotada de independência orçamentária, técnica e financeira, sem vinculação a nenhum outro órgão público.

Embora a coordenação fique a cargo do comitê gestor, as atividades efetivas de fiscalização, lançamento, cobrança e inscrição em dívida ativa do IBS continuarão a ser realizadas pelos estados, Distrito Federal e municípios.

Contribuintes e mulheres
O deputado Mauro Benevides (PDT-CE), foto em destaque, relator do grupo de trabalho que analisou a proposta, destacou a participação de contribuintes e a reserva de vagas para mulheres no relatório que apresentou ao PLP 108/2024. Segundo Benevides, pelo menos 30% das nove diretorias do comitê deverão ser ocupadas por mulheres.

O relator afirmou que vários deputados haviam pedido para que os contribuintes fossem representados no comitê para também decidir sobre autos de infração. “Acabamos com a preocupação dos empresários de que teria fiscais de manhã, de tarde e de noite. Há uma diretoria de fiscalização e quem vai autorizar o procedimento é a coordenação. Se vier um fiscal do estado, não vai chegar outro do município e da União. Se for encontrada uma documentação que exige maior fiscalização, o ente será obrigado a compartilhar a descoberta com os outros dois entes”, explicou.

O PL votou contra a urgência do projeto. “Esta reforma tributária vai acabar de vez com nosso País. Temos um dos maiores impostos do mundo. O PLP tem mais de 150 páginas e não tivemos acesso ainda ao conteúdo”, afirmou a deputada Coronel Fernanda (PL-MT).

Já o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) lembrou que a reforma tributária foi discutida pelo Congresso por quase 40 anos. “O relator, Mauro Benevides, apresenta uma solução extraordinária, incluindo todos os envolvidos no sistema tributário, inclusive os contribuintes. A sociedade pode ter certeza de que será votado o melhor projeto de regulamentação do Comitê Gestor”, elogiou.

Aumento de imposto
Também contrária à urgência, a deputada Adriana Ventura mostrou preocupação sobre os prazos de compensação que podem prejudicar contribuintes. “Existe uma grande discussão da inclusão da previdência privada, o que penaliza quem poupa”, alertou. “Há uma preocupação com aumento de imposto.”

O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), destacou o fim da guerra fiscal com a participação dos entes federados no comitê gestor. “Os estados patrocinaram uma guerra que só fez mal ao País. Foi a forma encontrada pelos governadores para atrair investimentos. Agora o imposto será cobrado não mais na origem, mas sim no destino. Este Comitê Gestor vai unificar tudo, vai fazer uma gestão compartilhada. Esta matéria merece uma aprovação unânime e trará um grande impacto no crescimento da economia brasileira”, declarou.

Reportagem – Eduardo Piovesan e Francisco Brandão
Edição – Geórgia Moraes

Fonte: Agência Câmara de Notícias

A REFORMA TRIBUTÁRIA E O MEIO AMBIENTE

Por Ana Creusa Martins

Promulgada pelo Congresso Nacional, a Emenda Constitucional nº 132/2023 de 20 de dezembro de 2023[1], alterou substancialmente o Sistema Tributário Nacional (STN) da Constituição Federal de 1988 (CF/88). A Reforma Tributária abordou a temática do meio ambiente de forma contundente, com alteração de vários dispositivos, demonstrando a sua importância no sistema constitucional brasileiro.

No tocante ao desenvolvimento social e regional, bem como ao combate às desigualdades, a reforma incluiu o § 4º ao art. 43 que trata das isenções, reduções ou diferimento temporário na sistemática da concessão dos incentivos regionais de tributos federais, sempre que possível, devem ser considerados os critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono:

Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais:
(…)
§ 2º Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei:
(..)
III – isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;
(…)
§ 4º Sempre que possível, a concessão dos incentivos regionais a que se refere o § 2º, III, considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (NR EC 132/2023).

A proteção ao meio ambiente permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os primados do dever de cuidado com o meio ambiente, a inclusão de um princípio de proteção ambiental no STN (art. 145, § 3º) vem corroborar a necessidade de proteção do meio ambiente como direito fundamental:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…)
§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Acrescido pela EC 132/2023).

A Reforma Tributária também trouxe a previsão do Imposto Seletivo (IS), que será instituído pela União e incidirá sobre todos os bens e/ou serviços tidos como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Esse imposto será regulamentado por Lei Complementar. A inclusão de um imposto seletivo (inciso VIII do art. 153 da CF/88) poderá ser utilizado na função extrafiscal, como instrumento de cuidado com o meio ambiente e punição por danos ambientais, pois, é reconhecida a urgência de combater as mudanças climáticas e de preservar os recursos naturais:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(…)
VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar (Acrescido pela EC 132/2023).

A tributação foi erigida como ferramenta de política pública, podendo desempenhar um papel crucial nesse processo, ao desincentivar comportamentos nocivos à saúde e ao meio ambiente, bem como promover iniciativas que favoreçam a preservação ambiental, conforme importante observação proferida por Derik Silva:

O Imposto Seletivo é um tributo que incide sobre produtos específicos, geralmente aqueles considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis. A ideia por trás desse imposto é desestimular o consumo desses produtos, ao mesmo tempo em que se arrecada receita para o governo. O estudo do IS será relativamente rápido, pois suas características são diretas e fáceis de serem compreendidas. Ele se assemelha ao atual IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), mas com um foco mais específico em produtos seletivos[2].

Outra regra alvissareira no tocante à proteção do meio ambiente está no art. 159-A, § 2º o qual instituiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)[3] para fins de redução das desigualdades regionais e sociais mediante a utilização de recursos da União a serem entregues aos estados e ao Distrito Federal, desde que sejam priorizados projetos contendo o mesmo parâmetro de proteção ambiental:

Art. 159-A. Fica instituído o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais, nos termos do art. 3º, III, mediante a entrega de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal para:
(…)
§ 2º Na aplicação dos recursos de que trata o caput, os Estados e o Distrito Federal priorizarão projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Sabe-se que a defesa do meio ambiente foi incorporada como um dos princípios da atividade econômica (art. 170, VI), passa também a ser definida como um dos cinco princípios do sistema tributário nacional, ao lado da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e da cooperação (art. 145, §3º). Assim, tanto a regulamentação infraconstitucional como a operacionalização administrativa das regras tributárias deverão observar critérios de sustentabilidade ambiental.

No tocante aos tributos: Imposto Seletivo (IS), de competência da União e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de competência dos Estados e Distrito Federal. O primeiro foi previsto inicialmente na EC 132/2023 e quanto ao IPVA, nos termos do art. 155, III e § 6º, II da CF/88, foram feitas alterações, que levam em consideração os efeitos poluentes dos veículos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
III – propriedade de veículos automotores.
(…)
§ 6º O imposto previsto no inciso III
II – poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental;
(…).

Portanto, o diploma constitucional passou a prever que o IPVA poderá ter alíquota diferenciada em função não somente do tipo e da utilização do veículo, mas também do valor e do impacto ambiental, com vistas a desestimular a propriedade de bens potencialmente poluentes.

O art. 225 da CF/88 que trata que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, também foi alterado, com acréscimo do inciso VII ao § 1º do referido artigo, ou seja:

VIII – manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam o art. 195[4], I, “b”, IV e V, e o art. 239 [5]e aos impostos a que se referem os arts. 155, II[6], e 156-A[7].

O meio ambiente e as ações de combate às desigualdades sociais e regionais fazem parte das discussões de caráter multidisciplinar, fazendo parte dos ramos de direitos fundamentais à vida saudável e aos cuidados com as presentes e futuras gerais, logo, o Direito Tributário, como ramo de Direito Público não pode ficar à margem dessa discussão, priorizar as melhores práticas ambientais, tendo como primado o interesse público, é um poder-dever que deve permear toda as áreas de interesse da sociedade.

Portanto, erigir a sustentabilidade ambiental como princípio dentro do sistema tributário nacional, bem como criar estímulos fiscais para a produção e comercialização de alimentos saudáveis, além do caráter punitivo para práticas nocivas ao meio ambiente, é um avanço que deve ser comemorado, exigindo-se iniciativas do Poder Público e da sociedade, para que esses comandos legais sejam efetivos.


[1] EC nº 132/2023: “Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:”
[2] SILVA, Derik. Reforma Tributária no Brasil: entendendo as mudanças e impactos. Edição do Kindle, p. 46.
[3] O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) terá aportes da União que serão entregues aos estados para investimentos em infraestrutura, em atividades que gerem emprego e renda, além de desenvolvimento científico, tecnológico e inovação. Os entes terão autonomia no gasto, mas deverão priorizar projetos com ações de preservação do meio ambiente. Fonte: Agência Senado.
[4] Contribuições sociais para custeio da previdência social, inclusive a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
[5] Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).
[6] ICMS.
[7] Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).