Por: Ana Creusa
A história se passou em Peri-Mirim, no povoado Feijoal, em meados da década de 1920.
Aquela época era marcada pelo culto à família patriarcal, em que as mulheres deviam muito respeito ao marido e se encarregavam apenas das tarefas domésticas e da educação dos filhos, enquanto o homem era provedor da casa.
Naquele tempo, havia pais que não sabiam os nomes completos dos seus filhos, imagina lembrar as datas dos seus nascimentos? Frequentemente, confundiam os nomes dos filhos.
Um casal, porém, destacava-se pela união. Pedro e Maria Rosa eram diferentes. Recém-casados, ainda não tinham filhos.
O marido era visto de mãos dadas com a esposa nas festividades. Era motivo de críticas e elogios por parte dos correligionários.
Moravam em uma casa confortável. O marido trabalhava com gado, quinhão que recebera do pai pela ocasião do casamento.
No verão – campo seco – Pedro levava o gado para o campo de Pericumã ou Cafundoca em Palmeirândia, em busca de pasto abundante.
Certo dia, chegou um gato na casa do casal. Miau, miau, insistia o gato faminto. O gato logo começou a se roçar nas pernas do Pedro e o seguir por toda a casa e quintal. Demonstrando muita afeição pelo mancebo.
Sempre que Pedro chegava à sua casa, depois do trabalho, lá estava o gato miando, como se tivesse passado o dia inteiro sem comer nada: miau, miau … O jovem colocava a comida para o gato e ele comia como um esfomeado.
Pedro já estava desconfiado que a esposa não estava pondo comida ao bichano e pedia:
– Mulher, por favor, coloca comida para meu gato. No que ela respondia:
– Incrível, eu coloco comida para esse gato e ele não come. É só você chegar que ele come desse jeito! Eu não sei mais o que fazer: ele não come a comida que eu coloco.
– Oh, Rosinha, insistia o marido. Fico triste em ver meu gato sempre com fome; Maria Rosa, por favor, coloca comida para meu gato, quando eu chegar, não quero encontrar meu gato com fome.
Ela falava:
– Marido, eu sempre coloco comida para seu gato, ele é que não come. Não sei o porquê.
– Não parece, ele está sempre com fome. Falou o marido em tom ríspido.
Passados alguns dias, Pedro teria que levar o gado para Cafundoca. Juntou os animais e seguiu viagem com outros vaqueiros do lugar. Antes de sair, com o gato nas mãos, chamou a esposa e disse:
– Cuida do meu gato, eu vou demorar uns três dias.
– Não se preocupes, Pedro, que esse gato há de comer!
– Mulher, não deixe meu gato passar fome. Falou o marido zangado e não deu o tradicional beijo e abraço de despedida na esposa.
Pedro deixou o gado no Cafundoca, voltou sozinho. Os companheiros não quiseram voltar naquele dia que era sexta-feira, dia 13, pois, saindo àquela hora, iriam passar pela mata de João de Deus Martins durante a noite, o que era assustador.
Pedro, preocupado com seu gato de estimação, com receio que a esposa não gostasse do gato, não poderia demorar, pois temia que seu gato já estivesse morto, por falta de alimento e pensava:
– Que mulher traiçoeira que fui me casar! Ela não coloca comida para meu gato, só para me irritar.
Altas horas, passou pela mata, uma área preservada, floresta com espécies diversificadas. Apesar da lua cheia, o caminho estava escuro pelas copas das árvores.
Pedro, destemido, montado em seu cavalo alazão, sela e cochinil alvinho que Maria Rosa cuidava para o marido ficar feliz. Pedro era um jovem de vinte e cinco anos, moreno, alto e sorridente.
Durante a viagem, passando por uma moita de Tucunzeiro, famosa por ser mal-assombrada. Havia relatos que daquela touceira sairiam conversas de seres encantados.
Ao ouvir as vozes, Pedro arrepiou-se. Desembainhou o facão bem afiado. Parou e ouviu uma conversa nítida de aproximadamente três vozes distintas. Diziam elas, em meio às gargalhadas:
– Eu já estou garantido!
– Eu também estou, dizia outro. Pedro apurou os ouvidos e ouviu a terceira voz:
– Eu, com certeza estou garantido. Hoje ganho mais uma alma. Estou disfarçado de gato e quando o marido sai de casa eu não como mais nada, estou magrinho que dá dó. O marido está viajando. Quando ele chegar e me ver naquela situação, com certeza vai bater na mulher. Talvez até matá-la.
Pedro, por pouco, não caiu do cavalo e concluiu, sem sombra de dúvidas:
– Essa história é comigo – é o gato que está na minha casa e olha o que ele quer? Que eu mate a minha esposa e vá para o Inferno.
O rapaz, com o coração aos pulos, pensando nas injustiças que cometera com a esposa, fez uma oração. Pediu perdão a Deus, que o protegesse e seguiu viagem.
Chegou a casa, foi recebido pelo gato, que estava só pele e osso; quase não conseguia mais miar de tanta fome.
A esposa olhava a cena e lembrava de tudo que fez para aquele maldito gato comer e ele se recusava; fazia comida especial, e nada! O bicho parecia fazer de propósito para que o marido pensasse que ela estava mentindo.
O marido baixou a cabeça, olhou para a esposa e o gato mal conseguia caminhar. Pedro tirou o facão da cintura e partiu o gato ao meio[1].
Maria Rosa encolheu-se toda e pensou: – eu sou a próxima! Não conseguia sair do local, sem ação, esperou a reação do marido, ao tempo em que pediu que Deus orientasse seu esposo que estava prestes a cometer uma grande injustiça.
Pedro fitou a esposa e disse:
– Meu Amor, perdoe-me, eu errei contigo. Aquele gato era um demônio disfarçado. Contou à Rosinha a conversa que ouvira na mata. Pensava a esposa: – agora fazia todo o sentido o comportamento daquele gato endemoniado.
O Amor venceu, o casal foi feliz para sempre. Tiveram filhos e filhas. Nunca esqueceram o grande desafio que passaram em suas vidas. Aprenderam a lição de que “nem tudo que parece é”.
[1] Dessa forma foi contado pelo meu pai. Tive vontade de mudar para que o Pedro apenas se afastasse do gato, ralhasse para que ele se afastasse. Recomendo a quem desejar contar essa estória a crianças pequenas, que altere esse fato. Ademais, nunca é bom que se atribua efeitos demoníacos aos gatos, pode-se dizer que o Demônio pode usar qualquer um, até as pessoas, basta que permitamos com más ações e atitudes
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