O TIO BOBO VII (A VÍTIMA DO TURI)

Por Zé Carlos

Após a fúria das tempestades últimas, que inundaram o chão sedento da Chapada, as águas baixaram com uma tremenda rapidez. Algo, que impressionou a todos.

A expectativa, criada, portanto, era de uma temporada de pesca “lá pras bandas” do Turi. Afinal, “o tempo prometia”. Fartura de peixes secos, para “entupir” o paiol e garantir, até o fim do ano, o assado, a torta e o cozidão ao leite de coco.

Com essa atmosfera festiva, tio Bobo, o maior personagem e filósofo da Baixada, animou-se. Preparou o seu “balaio” e partiu, depois de acertar todos os quês e porquês, “tintim por tintim”, com um dos seus (dele) compadres, que morava nas proximidades do Rosário. A única tristeza, nessa aventura, foi não ter Zefa, a sua companheira de sempre, ao seu lado, a acompanhá-lo. Ela sabia que o Turi tem seus mistérios e seus caprichos. Pediu-lhe que fosse ao Pericumã. Mas, nada o fez mudar de opinião. Nem quando lhe disse que suas (dela) carnes não iriam ser comidas pelo rio. Vil profecia. Palavras ditas, palavras cumpridas. E, assim, a vontade do rio fez-se. O tio Bobo “viu-se às voltas” com a sezão, que ia e vinha, num ritual diário. Santo “impaludismo”!

O seu compadre desdobrou-se em cuidados. O chá de quinino fez-se onipresente e foi a sua salvação, pois já estava bem castigado. Vista turva, “injôos”, baldeação, “zumbido nozouvido”, “fastio terrive”.

Após todo esse “dileme”, o tio Bobo voltou só a “titela”. Um espírito cadavérico, sustentado em dois “cambitos”, arqueados e bambos, que incomodavam a quem os visse arrastarem-se como se estivessem dançando, definitivamente, ao sabor do vento. Até parecia que o tio Bobo trocou-se pelos peixes e foi para a secagem no jirau, de talos de palmeira babaçu.

O seu retorno foi uma delicada operação, para “uma saúde tão delicada”. Mas, enfim, viu-se em casa. E, com uma tremenda vontade de viver, recuperava-se, como dizia a minha avó, “a olhos vistos”, sob os cuidados de Zefa, que, incansável, não o deixava um minuto sequer. Haja canja de galinha!

Durante sua convalescença, na varanda do seu velho casarão, passou a tresvariar, o que levou a funda e surrada “baladeira”, dos embalos refrescantes, e o “urinol” a serem as testemunhas mudas e fiéis das inquietações, a lhe assaltar. Inquietações, traduzidas em um mar de lembranças, que lhe se apregaram com uma vitalidade tremenda, remetendo-lhe a mais fortes e inusitadas situações, que estavam adormecidas.

Assim, viu-se menino marcado pelas doenças. Sempre amarelo e barrigudo, “lombringuento”, a arrastar-se pelo terreiro, repleto de “criações”. Escapou do quebranto, com as rezas da “tia” Zuzu, que também lhe livrou de um nó nas tripas e lhe “fechou a arca”. Mas, “tinha o corpo doce”. Então, foi acometido por bexiga, “papeira, dor d’olho, ferida braba, sarampo, turica”. Sem falar, da tossizinha insistente, que mais parecia “um pinto com gôgo”. Tudo combatido com chá de todos os gostos e matizes: raiz de algodão do campo, cabelo de milho, melão de São Caetano, coquinho, buchinha, boldo. Além de leite de janaúba, mijo de vaca preta, gemada, ovo batido com farinha e açúcar, azeite de carrapato, aguardente alemã, salsa três quinas, cerveja preta.

Lembranças, que lhe faziam tremer, mas, paradoxalmente, lhe faziam um bem enorme, por mais irônico que pareça. Via-se no tempo, em que as pescarias eram recorrentes, levando-o a se entreter com chumbada, caniço, linha, para fazer a alegria de sua mãe, quando retornava com as cambadas de jejus e traíras, que iriam aliviar a fome, sempre a rondar os seus 12 irmãos. Ou espreitando e assaltando as arapucas, que, fartas, sempre se apresentavam (…) Além de que “faziam a festa”, com ele, no jogo de petecas, improvisado com as “mucajubas”; e na guerra de piões, vorazes e perigosos, feitos com o coco babaçu.

Benditas reminiscências, que o levavam a um sorriso pleno, a lhe dar a certeza de que, mesmo com todas “essas dificulidades”, valeu a pena!
Eita, tio Bobo, porreta!

O milagre do querosene

Por Ana Creusa

Era lusco-fusco, quando a mãe percebeu que não havia querosene em casa, a quitanda ficava um pouco distante, mas era o jeito: pegou meia dúzia de ovos de galinha e uma garrafinha de vidro na cor verde, para que as irmãs inseparáveis comprassem o produto na quitanda do seu cunhado.

Porém, antes a mãe recomendou:

– Se Manoel colocar pouco querosene, reclamem!

As duas irmãs entreolharam-se: como iriam fazer essa tarefa, reclamar com o tio? ela mesma não permitiria isso!

Seguiram as duas em direção ao comércio, praticar o escambo dos ovos com o querosene, modalidade de negócio muito praticado na Baixada Maranhense até os dias atuais.

Chegando ao comércio, as duas meninas pediram a troca dos ovos por querosene. Viram o tio pegar o galeão de querosene, usar o funil e colocar na garrafinha. Novamente as duas se olharam, desta feita preocupadas – a quantidade de querosene era ínfima, mal três dedos no fundo da garrafa.

No caminho de volta, já noite, o caminho escuro, as irmãs se puseram a rezar e fazer promessas para o querosene aumentar. Uma era devota de Nossa Senhora, a outra de São Benedito. Pensaram em pôr água na garrafa para “interar” o querosene, mas resolveram confiar nas orações e foram encarar a mãe.

Chegando a casa, ao entregar a garrafa para a mãe, as duas perceberam que o querosene havia aumentado, entreolham-se alegres, mas incrédulas, no mesmo instante em que ouviram a voz da mãe pronunciar:

– O que “deu” em Manoel, ele colocou bastante querosene!

As irmãs tiveram certeza que houve um milagre e ambas começaram as pagar as suas promessas e até hoje, elas têm certeza que o querosene aumentou na garrafa durante a viagem, um milagre comprovado!

*As personagens dessa história são as irmãs Ana Creusa e Ana Cléres, filhas de José dos Santos e Maria Amélia.

Princesa Isabel

Primeira senadora brasileira e primeira mulher a assumir uma chefia de Estado no continente americano, a princesa Isabel se revelou uma política excepcional nas três vezes que exerceu a Regência do país (1871, 1876 e 1888)

Em 13 de maio de 1888, ela assinou a lei Áurea que aboliu a escravidão no Brasil.

Abolicionista convicta, financiava com dinheiro próprio a alforria de dezenas de escravos.

Ela também se preocupou imensamente com a integração condigna e justa dos antigos escravos na dinâmica social e econômica do Brasil. Por isso, foi buscar incentivo ao ensino profissional.

Ela queria uma solução para o problema de como seria o futuro dos escravos, depois de libertos. Temia que, abandonados pelos antigos senhores, vivessem sem eira nem beira, em condições precárias, formalmente livres, mas, de fato, presos a um sistema que lhes impedisse o acesso a condições melhores de existência.

Compreendeu que somente a formação profissional poderia ser adequada para, naquele contexto, assegurar, aos libertos do cativeiro, uma adequada inserção na sociedade brasileira.

Correspondeu-se com o carismático sacerdote João Bosco, fundador da Congregação Salesiana. Dom Bosco foi sem dúvida, um dos maiores e mais completos pedagogos que já existiram em toda a História, com seu “método preventivo”. A princesa pediu, inclusive, que ele mandasse missionários para o Brasil, oferecendo-se para ajudar.

Infelizmente, o golpe republicano de 1889 não permitiu que a Princesa subisse ao trono e completasse a obra redentora dos cativos. O plano grandioso que concebera para a justa e digna inserção dos antigos escravos na sociedade brasileira foi abortado, ficando sem realização. A República desinteressou-se completamente pelos antigos cativos e deixou-os abandonados à sua triste condição. Até hoje, os seus descendentes pagam um pesado preço por esse abandono.

– Elisa Robson, jornalista e pré-candidata à deputada federal pelo DF.

O SONHO DE MARIA II

Por Gracilene Pinto

O sonho de Maria era a felicidade
da partilha, do amor,
da entrega irrestrita,
retrógrada e esquisita
para os adeptos da modernidade.
O sonho de Maria era,
aparentemente,
impossível, insolente,
inconsciente,
era irreal
beirando a insanidade.
Esqueceram-se todos
que, na verdade,
Deus é amor,
Deus é bondade,
e seu propósito para todos
é a felicidade.
E, sendo assim,
o sonho de Maria
tem um universo
de possibilidades.

A FANTÁSTICA GALERIA!

Por Zé Carlos

Era uma vez …

… um lugar encantado. A Baixada maranhense. Baixada, que, de tão encantada, se tornou, de verdade, a encantar os seus.

E, nesse mar de encantamento, chamou-me um pequeno recanto, por quem fui acolhido, para sentir a Princesa pulsar dentro e fora de mim, numa relação absurdamente única.
Em tal recanto, vi, ouvi e vivi as mais fantásticas práticas e belezas humanas. Belezas, que se apresentam, em minhas lembranças, vivas e pulsantes, tais quais autênticas obras de arte, a enveredarem-se por travessas e ruas, fazendo-me, invariavelmente, a alegria, nos benditos anos 70 e 80.

Que ansiedade e emoção escutar o insistente, delicioso e longínquo “piiroolééé”, enriba do apogeu da queimação da tarde, com a certeza de que a refrescância do maracujá inundar-me-ia o corpo e a alma, pois o litro já se encontrava reservado para tal. O litro, sim. Valia mais que o dólar no mercado negro.

Só quem “caçou” um litro, ou uma garrafa, sabe o prazer de escolher e desfrutar do sabor suado e especial de um “pirolé” ou de um pirulito, enfiado no palito, enfiado na tábua, repleta de furos. Sem qualquer maldade, “lembi inté os beço”!

Mas, a beleza não fica só até aí. Vem-me a figura do vendedor de peixes, com o seu cofo enfiado em um pedaço de pau, acomodado no ombro, a vender uma “pratada” de acarás ou de piabas. Que maravilha de cena, a colorir as minhas manhãs, tal uma tela de Fransoufer. Beleza, que continua, mesmo depois que a “modernidade” introduziu uma caixa de isopor, na garupa da “bicicreta” ou em um carrinho de mão. A pureza d’alma ainda permanece!

E, as telas não param por aí. Eis que surge o vendedor de verduras, com a clarividência de todo dia, a adivinhar que o cozidão reclama por maxixe, quiabo, “jermum” e vinagreira. Um desfilar de cores, cheiros e sabores, a temperar a minha infância, em definitivo.

Nas mesmas passarelas, vêm surgindo os entregadores do Teimosão, a matar a curiosidade e a sede de saber. O entregador de pão, deslizando, madrugada a dentro, em perfeito silêncio. O entregador de leite, com uns canjirões gulosos e encardidos, a engolir a faminta caneca, que nunca estava saciada. Também, em suas empolgações, os vendedores de murici, de camarão, de marrecas, de frigideiras, de panelas, de papeiros, de bacias, de penicos, de bananas. Este último, em minha casa, não tinha vez. Bananas só eram adquiridas no seu Alvino ou no seu Zé de Cristina. Outras não tinham gosto! Haja manias!
Manias, que me levavam à procura dos vendedores de São Bento, para comprar queijo e jaçanãs. Não há queijo igual! Já as jaçanãs eram as mais gordas! Acho que eram mais jaçanãs que as nossas jaçanãs! Haja manias!

Religiosamente, às vésperas do Natal, recebíamos o vendedor de joias, que me fascinavam com as suas maletas, recheadas de rolos, recheados de preciosidades. Quanta vontade de ficar com tudo!

Nesse fantástico cenário, despontava o rei, além do Momo. O rei dos vendedores. Sem igual! Fula! Com o seu inseparável búzio, a anunciar “baguinhos, cabeças gordas, jejus, traíras … num festival de gracejos, ditos e relaxos. Num festival de alegria!

Também, desfilavam os cobradores. Pouquíssimos, por sinal. Vislumbro o das Casas Pernambucanas e o da Casa Saldanha, que apareciam, geralmente, com mais acanhamento do que os devedores.
Ah, tempo de pinturas fantásticas! Uma verdadeira galeria!

GONÇALVES DIAS E DOM SEBASTIÃO, DUAS FIGURAS ENCANTADORAS (OU ENCANTADAS?)

Por Gracilene Pinto
Não sei se pela personalidade ou pelo caráter lendário de suas biografias, duas figuras da História sempre me encantaram: o monarca português Dom Sebastião e o poeta Antônio Gonçalves Dias.

Dom Sebastião, com o misterioso desaparecimento em Alcácer-Quibir, se imortalizou no coração do povo português, que ficou sempre à espera do seu retorno. No entanto, talvez em razão do clima tenso das lutas políticas em Portugal, em busca de paz Dom Sebastião haja escolhido a mais lusitana das províncias brasileiras, o Maranhão, para se encantar no repouso paradisíaco da Ilha dos Lençóis, onde o povo o recebeu com fé no coração: O Desejado Rei Sebastião.

Gonçalves Dias, nasceu em Caxias – Maranhão, mulato, de origem pobre, quando isso ainda era um verdadeiro estigma, por circunstâncias da vida estudou na Europa, foi poeta, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo, um expoente do romantismo e do indianismo brasileiro. Mas, entre tantos atributos foi a poesia que o imortalizou, quando cheio de saudades da Pátria escreveu Canção do Exílio, um dos mais belos poemas da língua portuguesa:
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá…
Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá…
sem qu´inda aviste as palmeiras onde canta o sabiá.
e, entre outros poemas maravilhosos da sua riquíssima lavra, quando escreveu a mais bela declaração de amor à paixão da sua vida, Ana Amélia Ferreira do Vale, o Ainda Uma Vez Adeus.
Enfim te vejo! – enfim posso, curvado a teus pés dizer-te
que não cessei de querer-te pesar do quanto sofri…

Por tudo isso, em 03/11/2020, dia em que se rememorava o falecimento de Antônio Gonçalves Dias a bordo do navio Ville Bologna, na Baía de Cumã, em Guimarães, me vi, de repente, pensando que, a despeito dos outros títulos auferidos por ele e de ser patrono da Cadeira nº 15 da Academia Brasileira de Letras, que eu saiba, o poeta não foi membro de nenhuma academia. Não precisou disso. Sua obra o imortalizou. E, quem sabe se, assim como a fé pública encantou Dom Sebastião na Ilha dos Lençóis, Gonçalves Dias não haja se encantado também nos baixios de Atins, de onde já podia avistar suas amadas palmeiras, mesmo que do sabiá só pudesse ouvir o canto na imaginação. Olha, que imaginação de poeta é coisa milagrosa! Acho até que foi por isso que pensei ter ouvido a voz de Gonçalves Dias afirmando cheio de certezas:
É mentira, não morri! Não morri nem morrerei Nem hoje nem nunca mais,
Minha alma já fez morada na pátria dos imortais.

O SONHO

Por Gracilene Pinto

Quantos caminhos trilharam os pés cansados
do viajante persistente e sonhador?
E quantos sonhos ficaram abandonados
à beira dos caminhos, onde ninguém voltou?
Das tantas lutas, quantas foram inglórias?
E as derrotas, alguém já conferiu?
O desistente que alcançou vitória,
o sucesso sem luta, quem já viu?
Sonho é projeto, tem causa e efeito,
e as grandes conquistas reclamam paixão,
sem luta, sem garra, viver não tem jeito,
que o sonho precisa de força e ação.

O VELHO MERCADO

Por Zé Carlos

… ao me aproximar, ainda madrugada, ouvia o sussurrar do velho Mercado, que vinha preguiçosa e manhosamente acordando.

Ao redor, tudo era silêncio. Silêncio, silêncio, silêncio!!! Silêncio, quebrado, uma ou outra vez, pelos “tum-tuns” secos e abafados dos pedregulhos, que se vivificavam, ao “marcarem o lugar” na longa fila, para a compra de carne. Ou quebrado pelo pigarro e pela tosse seca do seu Teodomiro, salvo engano, após mais uma prolongada tragada e espessa baforoda do longo porronca, enrolado num bom pedaço de papel de embrulho. Ou quebrado pelo grito inesperado de Sassico, que estava com medo de tamanho silêncio.

Às vezes, batia um tremendo e implacável frio, a castigar o meu mirrado corpo de 7 a 8 anos. Ocasião em que buscava abrigo nos braços e pernas do meu avô-pai Antônio do Rosário e nos mingaus de milho, de Dadá, fumegantes, como só na infância tivemos, e cobertos por uma generosa camada de canela, que me enfeitiçava o olfato e o paladar, numa gula feroz.

Vovô não se contentava apenas com a compra da carne. Prolongava-se em conversas, que transitavam do engenho ao canavial. Do açúcar à cachaça. Dos bois à política. Este último tema dominava a cena. O seu assunto predileto. Era um apaixonado pela mesmo. Constatação que vou ter muito depois, ao lembrar de nossas conversas, geralmente à noite, após o seu programa sagrado e imperdível, a Voz do Brasil, a ecoar do seu imenso e potente rádio.

Mas, voltemos ao Mercado. Das conversas prolongadas à “tomação” de bênçãos. Acho que todos os pinheirenses, que permeiam as minhas lembranças, eram afilhados do meu avô. O certo é que demorávamos uma eternidade, o que para mim era uma delícia. Sempre cabia mais um e mais um mingau!

Hoje, entretanto, quando passo pelo meu Mercado, já não sinto a sua vitalidade. Já não sinto a sisudez de João de Braulina, a se acentuar com seu chapéu sisudo, também, e seu olhar distante, a escolher clientes. Já não sinto a camaradagem dos compadres de papai, que eram um pouco meus: seu Antônio Correia e seu Tarquínio. Já não sinto a sensação de que Nhô e Fernando, o braço de Judas, são-lhe habitantes eternos, a me fornecer uma boa fatia de fígado. Também, já não encontro o frescor da vinagreira, dos amarrados de maxixes e quiabos, da talhada do jerimum, da pimenta malagueta. Muito menos a plena amizade de Culete, que me tratava tal a um filho, sabendo que meu pai encontrava-se trabalhando distante. Por sempre me confundi entre Raimundo e Benedito, nunca conseguindo fazer a distinção correta dos irmãos pelo nome, determinarei, como um autêntico baixadeiro: o Culete, ao qual me refiro, é o pai de Zé Maria, do foto Alfa, e Lourdinha Mendonça, uma das melhores amigas dos corredores das minhas escolas.

Hoje, só me resta vê o meu mercado, imergido em um vazio e uma tristeza tamanha, perdido em nuances pálidas, que teimam em fugir das minhas retinas, com lágrimas vertendo em suas paredes tão sofridas que já não reconhecem nem abraçam o seu filho, que tanto o ama.
Perdoem-me, não consigo seguir!

PIABA

Por Zé Carlos

Há algum tempo, ficava revoltado, quando encontrava algum conhecido, que me chamava de “comedor de piaba”. Isso, verdadeiramente, se constituía em um grande insulto. Assim, diversas vezes, por pura criancice, vinguei-me com os helenenses e os são-bentuenses.
Comedores de tapiaca e de mussum. Quanta sandice!

Mas, o senhor de todas as razões veio passando e me trazendo a certeza de que essas referências, muito mais do que depreciarem, fortalecem as nossas relações com a nossa terra e nos dão uma imensa felicidade em ser isso mesmo. Certamente, a distância ressalta esse sentimento. Certamente, essa distância está gritando agora e bem alto por um cozidão de piaba, com um pirão de farinha seca. O que não é para qualquer um! Mas, sou um craque em comer piaba cozida. Em “uma raspada”, entre os dentes, trago só o mínimo esqueleto esquelético, a se empilhar na beirada do prato. Ainda mantenho esse hábito de colocar as espinhas ali! Para mim, não existe, ainda que esteja a postos, o prato para espinhas!

Entretanto, nada sobra, quando ela é enfiada no talo de coqueiro e frita no azeite de coco. Cachorro passa fome! Até sinto o seu croque croque, persistente, a pedir pela sua companheira inseparável, a farinha, a invadirem “os meus sentidos” e se apoderarem do meu paladar, faminto e saudoso. Vou ficar por aqui, já está bom. Se o devaneio prolongar-se, fatalmente exigirá a sagrada tigela de juçara. Aí, não respondo mais!

Hoje, o que desejo, e com orgulho, é ser chamado de comedor de piaba. E como seria bom, se, toda vez que isso acontecesse, me “trazessem” uns espetinhos e um punhado de puba!

Com certeza, não esperaria até chegar a minha casa. Havia de dar uma grande “beliscada”, ainda “no caminho”!

CHOVE

Chove lá fora…
E as águas que jorram do céu
Lavam árvores, montes,
Formam riachos
Escorrendo pelo chão.
Chove cá dentro…
E as lágrimas que tombam dos meus olhos
Sulcando a face
Lavam-me a alma,
Acalmam o coração.
A natureza é sábia,
E Deus que tudo sabe,
Tudo ouve e tudo vê,
Para lavar a alma
fez a lágrima,
Para lavar o mundo
Faz chover.
(in UM VÔO POÉTICO SOBRE ATHENAS – Imagem chuva no Maranhão)