NAS ÁGUAS DE MARÇO, NASCE UMA ESTRELA

NAS ÁGUAS DE MARÇO

Por Gracilene Pinto

Noite escura e tenebrosa
Lá nos campos da Baixada.
A chuva descia em torrentes
Com a força da invernada

Lavando casas e matas,
Daquele ermo sertão,
Com as fortes águas de março
Deste nosso Maranhão.

Como diziam os mais velhos,
Chuva é sinal de fartura.
É bênção de Deus que ameniza
O rigor da vida dura.

É sinal de abundância,
Na terra, na água, no céu:
Peixes, aves, boa safra,
Arroz, farinha, a granel.

Com o barulho das torrentes
Não se ouvia quase nada,
Só a orquestra coaxante
Da imensa saparada.

Mas, alguém de bons ouvidos,
Prestando bem atenção,
Iria ouvir uns gemidos
De dor e muita aflição.

Uma bela moça ruiva,
Gemendo em grande sofrer,
Fazia força ajudando
O seu filhinho a nascer.

Do mesmo modo que um dia
Sofrera a mãe de Jesus,
Ela era também Maria
E tentava ao filho dar a luz.

A mãe, a irmã, as vizinhas,
Rezavam com devoção,
Pai-Nossos, Ave Marias,
O Rosário da Conceição.

A moça sofria tanto!
Tanto gemia, coitada!
E a criança não nascia
Com chá, com reza, com nada!

Foi, então, com grande fé,
Nascida do coração,
Que à Senhora do Rosário
Numa contrita oração

Pediu ajuda e socorro,
A bela Maria das Graças.
Clamando ao auxílio divino,
Suplicava pelas graças:

Que viesse logo o bebê,
Cheio de saúde e beleza.
Corpo de anjinho barroco
E rostinho de princesa.

A prece chegou ao céu
E o milagre aconteceu:
Um olhar da cor do mel
Em São Vicente nasceu.

Pelas dez horas da noite
A neném tão esperada
Deu seu grito de vitória
Chorando desesperada.

Do jeito que a mãe pediu
Veio ao mundo, a pequenina.
E assim todo mundo viu
A grande bênção divina.

Ainda era doze de março,
E a chuva continuava.
Sagrada água de março
Que a menina batizava.

… Enfim, nasci!

PERI-MIRIM: A Secretaria de Educação se prepara para as homenagens dos 104 anos de emancipação do município.

A Secretaria Municipal de Educação de Peri-Mirim (SEMED, nos últimos dias, organizou e promoveu reuniões com supervisores, coordenadores e gestores das escolas, a fim de apresentar a proposta de comemoração dos 104 anos de Peri Mirim, no dia 31 de março.

A proposta é homenagear ex-secretários de educação, que inclui os já falecidos.

Na programão está incluída uma missa na Igreja da Matriz às 07 horas da manhã com autoridades e secretários municipais; em seguida, às 9 horas, haverá o hasteamento das bandeiras.

Para a celebração solene foram convidadas as ex-professoras: Ana Rita (Nicó), viúva e irmã de dois homenageados; Javandira, mãe de Keila, uma das homenageadas e Ana Maria Silva, viúva de José do Carmo, um dos homenageados. Todas participarão do desfile.

Às 16 horas, será realizado o desfile cívico, com homenagem às mulheres que foram secretárias de educação, as professoras: Delza, Maria da Luz, Alda, Giselia e Zaine.

Por conta da logística, foi decidido que no desfile apenas 4 escolas irão realizar as homenagens aos ex-professores e ex-secretários de educação já falecidos, que serão distribuídos da seguinte forma:

1) A Escola Municipal São João Batista, abordará o tema: Literatura e Educação de Peri-Mirim e homenageará o professor João Batista Martins;

2 ) A Escola Municipal Keila Abreu Melo, abordará o tema: Economia Perimiriense e homenageará a professora Keila Abreu Melo Diniz;

3) A Escola Municipal Cecília Botão abordará o tema: Política e Geografia de Peri-Mirim e homenageará o professor Nelsolino Silva e

4) A Escola Carneiro de Freitas abordará o tema: Cultura e fará a homenagem ao professor José do Carmo França (pendente de biografia no site da ALCAP).

Considerando-se que os temas abordados nas homenagens dizem respeito à história cultural, econômica e geográfica do município de Peri-Mirim, a Academia de Letras, Ciências e Artes Perimiriense (ALCAP) participará do evento, com os professores e funcionários da SEMED que também são acadêmicos; bem como pelas homenageadas Alda Regina Corrêa e Giselia Martins; Francisco Viegas, Manoel Braga e a presidente da Academia, Ana Creusa Martins, também representarão a ALCAP, que disponibilizou as biografias dos homenageados, as quais podem ser acessadas no site O Resgate.

No desfile cívico, as  escolas apresentarão em quatro pelotões, com suas respectivas balizas e bandeiras. Tudo organizado e estruturado por cada escola.

A proposta é que os alunos desfilem devidamente fardados, pois, dará mais ênfase ao que está sendo proposto.

Espera-se a participação de toda a comunidade escolar, bem como de todos os munícipes, pois, as homenagens aos 104 anos do município de Peri-Mirim foram preparadas com muito carinho.

Texto de Diêgo Nunes, com edição de Ana Creusa.

O poder do sexto sentido – imaginação criadora

Por Ana Creusa

Segundo Napoleon Hill, o sexto sentido é a porção do subconsciente a que nos referimos como imaginação criadora (1). Para ele, a compreensão do sexto sentido só vem com o desenvolvimento mental interno.

No início da nossa vida escolar estudamos que o ser humano possui cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Mais tarde, ouve-se falar que existe um sexto sentido invisível e imperceptível à primeira vista. A pergunta é inevitável: existe, ou não, esse tal sexto sentido?

Segundo Reinado José Lopes, o sexto sentido não só existe como é essencial – e pode levar às melhores decisões da vida (2).

Em seguida, é necessário que se entenda o que é o sexto sentido. Será ele é acessível a todos, ou é privilégio de alguns e qual a sua relação com a intuição?

 Para João Bidu (2), sexto sentido e intuição são a mesma coisa, é como uma voz guiadora que habita dentro de nós e sua essência está interligada com as emoções. Para ele, “estar em sintonia com o sexto sentido, é compreender que a razão não é dominante; há muito mais conhecimento escondido no coração e no espírito, apenas esperando o momento certo para florescer ou ser ouvida”.

Matéria intitulada “O Sexto Sentido: Intuição” veiculada no site britânico O BCcampus Open Education:

Segundo A história mostra que a intuição pode ser um fator muito importante na tomada de decisões. A intuição é a capacidade de saber algo sem qualquer prova. Às vezes é conhecido como “intuição”, “instinto” ou “sexto sentido”.

Por centenas de anos, a intuição teve uma má reputação entre os cientistas. Muitas vezes tem sido visto como inferior à razão . Mas hoje em dia, muitos pesquisadores veem a intuição como uma maneira de nosso cérebro pegar um atalho com base em nossas memórias e conhecimento. Assim como nossa capacidade de raciocinar, às vezes nossa intuição é precisa e às vezes não.

A verdade é que todos nós já tivemos momentos em que um “pressentimento” – seja bom ou ruim – que afeta nosso julgamento acerca dos fatos. E, embora muitas vezes descartado como besteira, esse “sexto sentido” pode ser provado cientificamente, segundo Amanda Hooton (4) e caracteriza-se por ser como uma voz guiadora que habita dentro de nós e sua essência está interligada com as emoções. São lampejos que passam pela mente, são os pressentimentos ou inspirações.

Quando ela é exteriorizada, o corpo sente uma sensação diferente, que pode causar desconforto ou euforia dependendo da situação.

Todos nós temos os tradicionais cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), a intuição ou sexto sentido seria uma sexta forma de “sentir” alguma coisa. Este é a integração dos cinco, os estados internos do organismo e da mente racional, todos voltados para nos dar informações valiosas. E assim, crucial para a intuição ser uma característica feminina ainda tem um nome e apelido: corpo caloso.

A intuição é, portanto, uma capacidade do cérebro de cruzar as informações dos dois hemisférios: o esquerdo, que é racional, e o direito, emocional.

A intuição não só existe como é essencial – e pode levar às melhores decisões da sua vida. A intuição também tem um poder de decodificar o que o outro está sentindo mais rapidamente que um piscar de olhos.

O Sexto sentido pode ser considerado como imaginação criadora. Uma forma singela de explicar o sexto sentido é que ele é a capacidade que o cérebro tem de realizar o cruzamento de informações dos dois hemisférios – o esquerdo, que é racional, e o direito, emocional. É corrente o entendimento que pessoas mais sentimentais podem desenvolver melhor o dom da intuição.

Segundo matéria divulgada pela Revista Super Interessante publicada em 30 de maio 2016, o sexto sentido “Não é esoterismo, é um fato científico: o sexto sentido existe e pode nos ajudar a tomar decisões melhores. Só que você tem de saber usar”. 

A intuição também tem um poder de decodificar o que o outro está sentindo mais rapidamente que um piscar de olhos. Ela é capaz de traduzir em segundos expressões faciais sutis, como uma sobrancelha ar…

Lucas Miranda (5) no artigo “As bruxas do passado e do presente” registra que:

O estudioso de mitologia e religião norte-americano Joseph Campbell (1904-1987) explica que, desde as épocas mais remotas da história, a mulher é vista como força mágica e misteriosa da natureza, e esse poder feminino acabou despertando uma das maiores preocupações do ser masculino: como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins.

Conhecimento que empodera e incomoda

Durante dez séculos de hegemonia do Cristianismo no Ocidente, a Igreja tolerou práticas consideradas ‘pagãs’ em toda a Europa, de modo que as crenças tradicionais de diversos povos permaneceram vivas e, em muitos casos, sincretizadas ao Catolicismo. Porém, no final do século 14 e meados do século 15, houve severa investida contra tudo que contrariasse os dogmas cristãos – e as mulheres sábias se tornaram um alvo preferencial da ira dos então chamados inquisidores.

As tensões já existentes entre masculino e feminino desaguaram em uma das mais terríveis turbulências sociais na Europa medieval. A caça às bruxas, como ficou conhecida, foi amparada por uma série de justificativas teóricas inventadas por padres em toda a Europa. O mais famoso guia para esse intento foi O martelo das feiticeiras (Malleus Maleficarum), primeiro manual inquisitorial endossado pelo papa, publicado em 1486. Nele, as ‘mulheres sábias’ deixavam de ser membros fundamentais da sociedade para serem entendidas como agentes de Satã na Terra. O livro defendia que a feitiçaria era resultado direto de um pacto com o demônio, era típica da mulher, de qualquer idade, pois ela seria ‘sexualmente insaciável’ e, por isso, mais frágil diante do diabo. Portanto, sua prática era maléfica por natureza.

Com esse movimento, a imagem das feiticeiras de autonomia e poder para influir na vida coletiva se transformou. O nascimento da Inquisição e o início da caça às bruxas, no século 14, impulsionaram uma nova narrativa sobre essas mulheres, muito diferente daquela que a comunidade havia estabelecido. A partir de então, a figura da ‘mulher sábia’ passou a ser substituída pela de uma agente das forças das profundezas que se reúne com suas semelhantes para praticar magia negra e adorar o diabo

“Acredito em intuições e inspirações. Às vezes, sinto que estou certo. Eu não sei se estou”, disse Albert Einstein à revista norte-americana Saturday Evening Post em 1929. Ele afirmou que era muito mais fácil confiar nessas intuições e verificá-las mais tarde do que descartá-las logo de saída. Essa, talvez seja a forma mais eficaz de observação do fenômeno do chamado sexto sentido.

_____________________

Referências

(1) HILL, Napoleon. Quem pensa enriquece. Ed. Fundamento. pág. 115.
(2) Reinado José Lopes é jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de vários livros, entre os quais “1499: O Brasil Antes de Cabral”.
(3) João Bidu é nome artístico de João Carlos de Almeida, é um astrólogo brasileiro. Bidu é considerado o principal nome da Astrologia no país.
(4) Amanda Hooton é uma jornalista e colunista australiana e escritora sênior do Good Weekend.
(5) Lucas Miranda é formado em Física e Ciências Exatas pela UFJF. Mestre em Divulgação Científica pela Unicamp. É colunista na revista Ciência Hoje

UM CASALZINHO NO MAIOR GRUDE, SÓ QUE NÃO!!

Por Zé Carlos Gonçalves

COISAS E LOAS
(… olho no olho)

Um dia desses, ao esperar o meu filho na porta da escola, vi uma cena, que me chamou atenção. Ali se achava “um casalzinho, no maior grude”. Mas o grude não os grudava. “Que crazy!” Estavam juntos, e tão distantes. Cada qual em seu mundinho, aprisionados às telas mágicas, que os hipnotizavam.

O grude era, na verdade, com os sacripantas dos celulares. A garota estava mais contida, “soltando uns sorrisinhos disfarçados”. Já o garoto se retorcia todo, fazia caretas e caretas; e, o mais incrível, mastigava a língua numa insistência desmedida. Até lembrei da brincadeira de “cabo de guerra”. Quem não tinha como sustentar a força braçal, ia transferindo-a para a língua. E haja mascar a língua, como “uma brejeira”.
Mas, voltemos “ao namoro”. Será que estavam “namorano atravéise di mensági. Cad’um ligando pr’ôto. Só pôdi!”

Bom mesmo foi não termos vivido plugados e alheios. Os eletrônicos “ero a nossa praia, não, tio”. O olhar, geralmente, discreto. O interesse nascia. A coragem nem sempre se apresentava; mas, quando vinha, o valente e enamorado “indivíduo” se manifestava. “E, com força!” Se manifestava de todos os modos, mas com modo. Um psiu, abafado; uma tímida piscadela; um aperto discreto das mãos bobas; um bilhetinho, que era traficado pelos melhores amigos; uma dança nervosa; cabia até uma abordagem direta.

E, como tudo isso é verdade, a cena referida no início desta crônica me remeteu ao meu estimado e “danado” parente, Batista Pessoa, que sempre se refere ao início do namoro, “daqueles menos corajosos”, inclusive ele, que se muniam de infalíveis armas: pedrinhas milagrosas, “avoadoras” e tão certeiras, a serem verdadeiros cupidos, com o único intento de conquistar a cara paixão. O início era difícil, trabalhoso e trabalhado. Hoje é ausente. Não há início … Não há … Não há …

E veio a me remeter, também, ao apogeu de “uma conquista bendita”. O nervosismo, cruel e pilantra, dum indivíduo, que, “seim papu, au su vê nu mato seim cachorro”, e sem gato, se “chegou à pretendida” e direto, sem preâmbulo, “se saiu com esta”. “Sou fã teu!” E, para sua sorte, a “piquena, insensívi li disculhambô, num li deu bola e ind’o chamô di dismiolado”. Digo, sim, sorte. Sorte … pois se fosse “ôji” … ! “Arre égua!”‘ e outras zebras … Com toda certeza!
E, com toda certa certeza, havia mais olho no olho!

ENFIM, FOMOS ESTUDAR NA SEDE DO MUNICÍPIO DE PERI-MIRIM

Por Ana Creusa

Cada nova etapa das nossas vidas, papai (José dos Santos) nos preparava. Ele não nos chamava para uma conversa, apenas falava sobre o tema de forma natural. Passado o tempo, percebi que todas aquelas conversas, aparentemente casuais, eram meticulosamente planejadas pelo nosso orientador sem rival [1].

As orientações eram passadas em muitas etapas: dando exemplos, contando histórias, de todas as formas, até que o orientando pudesse colocar em prática aqueles ensinamentos.

Claro que, em uma prole numerosa, havia os teimosos, que não colocavam em prática os ensinamentos, ou não entendiam. Mas papai tinha certeza de que a semente fora plantada. Tanto que, passados os anos, aqueles que não seguiam as orientações, se diziam arrependidos e, não raras vezes, se viam repetindo as lições aos seus próprios filhos.

Nós estudávamos na Escola Sá Mendes[2], no povoado contíguo ao nosso, a Ilha Grande. A partir do 2º ano primário, nossos pais decidiram nos colocar no Grupo Escolar Carneiro de Freitas, cujo acesso se dava com uma entrevista com diretora do Grupo, Cecília Euzamar Campos Botão.

Era início do ano de 1969. Nossa mãe foi nos matricular com a temida Cecília Botão. Essa missão era da nossa mãe. Eu, como sempre, a acompanhava nessas missões, apenas para “ouvir conversa”[3].

Mamãe foi comigo à casa de Cecília. Devidamente munida dos documentos dos filhos e respectivos boletins.

Cecília examinava tudo. Queria saber do desempenho dos candidatos e, principalmente, do comportamento. Mamãe elogiava cada um de nós. Eu até pensava que ela estava falando de outras pessoas, eram somente elogios.

Mamãe havia dito que eu e minha irmã Ana Cléres iríamos iniciar o 1º ano e os demais o 2º ano, para que fôssemos todos juntos. Antes da minha matrícula no 1º ano, mamãe falou para Cecília que eu já sabia ler e escrever antes de ir para a escola. A mestra fez um teste rápido e me pôs no 2º ano, juntamente com os demais irmãos naquela série: Ademir e Maria do Nascimento.

Antes de irmos para a escola, papai falou muitas vezes:

– Vocês vão estudar em Peri-Mirim, lá tem filho de pobre, como nós, mas tem filhos de ricos. Vocês vão para lá não é para se equiparar com esses meninos e sim estudar.

Sempre falava: vocês não vão para a escola, para se compararem aos filhos de Dico de Álvaro, José Sodré, Clóvis Ribeiro ou Altiberto[4], que meu pai considerava que fossem ricos. Vocês vão para escola estudar e para ser alguém na vida.

Nessas conversas, ele contava histórias de ricos sem conhecimentos e de pobres instruídos, estes sempre levavam vantagens sobre aqueles. Lembro-me da história dos amigos, um rico e outro pobre. O pobre foi estudar e o rico ficou trabalhando com o pai para aumentar a fortuna[5].

Nossos pais estavam sempre atentos para que frequentássemos as aulas e tivéssemos bons rendimentos. Acordávamos muito cedo para início das aulas às 07:30h, após trocarmos a roupa, pois, que fazíamos a viagem do nosso povoado até a sede.

Papai e mamãe nos auxiliavam em todas as atividades antes de irmos à escola. Quase sempre papai nos convencia a tomar banho:

– Tem que tomar banho para tirar a murrinha de japi[6].

E nós dizíamos[7]:

– Vamos banhar na casa de Vovó Patuca[8], para que banhar aqui?

Não adiantava argumentar. Tinha que tomar banho, era inegociável. Afinal, tinha que tirar o cheiro de japi e substituir pelo cheiro agradável das plantas: jardineira, estoraque, trevo, erva santa e outros. Não tinha sabonete que se comparasse àquele perfume campestre.

Outro ritual sagrado era: enquanto nossa mãe coava o café, papai ia até à horta do quintal colher macaxeira ou batatas para cozinhar, para ninguém sair com fome, senão não conseguia aprender nada, dizia ele para nos convencer a comer bem.

Uma cena inesquecível: papai lavava a macaxeira bem lavadinha, de forma a sair toda a terra. Depois descascava com cuidado para não sujar, pois ele não lavava a macaxeira branca porque, para ele, parte dos nutrientes se perderia.

Passado o tempo do banho difícil. Daí para frente, era só alegria.

Papai colocava aquele alimento fumegante no prato e mamãe vinha com o café, sempre gostoso. Eram abençoados pelos dois. Mamãe sempre preocupada para não esquecermos nada e papai, contando alguma história e dando conselhos, por meio de parábolas.

Quem não iria feliz para a escola depois desse ritual? Caminhávamos todos os dias 10 quilômetros para ir e vir da Escola, enfrentando sol, chuva, poeira e lama. Atualmente contamos com transporte escolar – muita coisa mudou … 

Esse relato demonstra muitas mudanças no processo de ensino de Peri-Mirim. Hoje temos transporte escolar, livros, farda.

Nós quebrávamos coco babaçu durante o verão para comprar os livros e a farda. Ainda pagávamos Caixa Escolar. Era tudo mais difícil.

Nossa maior alegria era olhar o trator do padre para pegar uma carona, era um transporte muito desconfortável.

Um senhor que tinha um carro chamado Rural, ele passava por nós e nem olhava! Ainda jogava em nós poeira ou lama, a depender da estação do ano.


Referências

[1] Papai gostava de dizer “fulano é sem rival”, significa que ninguém sabe fazer melhor. Definitivamente, José Santos era um orientador sem rival, nesse quesito, ele era um campeão absoluto.

[2] Escola Sá Mendes, nome dado em homenagem ao 1º intendente de Peri-Mirim (cargo que equivale ao de prefeito). João de Deus Martins, meu bisavô materno conseguiu com o seu amigo a instalação dessa escola municipal. Atualmente, a escola funciona no povoado Cametá.

[3] Eu tinha o hábito de ouvir as conversas dos adultos com muita atenção.

[4] Eu tinha muita curiosidade de saber quem eram essas pessoas. Por coincidência, ou não, estudei com filhos de Dico de Álvaro, Clóvis Ribeiro e Altiberto. Comprovei que eles tinham condições financeiras bem melhores que as nossas. Com essa convivência pude entender o queria dizia o meu pai. Eles poderiam comprar sapatos de couro (nós usamos de borracha, bem mais baratos); trocar de fardas todos os anos, ou sair em pelotão especial nos desfiles de 7 de setembro; coisas que não estava em nossos planos.

[5] Recomendo a leitura da história alusiva a esse assunto no Capítulo “Estórias que fizeram História”.

[6] Japi – Conhecido vulgarmente como xexéu, japi, japim, japiim. A ave é conhecida por ter mal cheiro.

[7] Alguns filhos tinham mais resistência e tomar banho. Fazíamos um gritinho característico para espantar o frio: “foi papai que mandou …”.

[8] Patuca é alcunha de Patrocina Pinto, mãe de Jacinto Pinto.

Artigo publicado na página 50 do Livro CEM ANOS DE GRATIDÃO  de autoria de Ana Creusa.

OS TEMPOS SÃO OUTROS

Por Zé Carlos Gonçalves

CENAS DO COTIDIANO VIII
(… o Carlos, que “não é eu!”)

Muito ouvi “dos mais velhos” que “os tempos são outros”. E, agora, mais do que nunca, venho confirmando a máxima das “máximas”. Vivemos os tempos de “muita doidiça” … e de violência. Que lástima!

O feminicídio e o estupro de vulneráveis, cada vez mais, se tornando onipresentes em todos os meios difusores de notícias. Quanta tristeza! A barbárie se tornou corriqueira e crescente, a vitimar “nossas guerreiras”, em “uma guerra” cruel. Desigual, silenciosa e infame. É a surda covardia a alcançar o mais deplorável grau da indecência. Parece uma roda viva, a se alimentar de casos mais escabrosos e mais escabrosos, a cada dia. Estamos no limite. Em nossa sociedade não cabe prática tão selvagem.

Sem entrar em polêmica, descobri que já não posso “nem” mais usar a gíria antiga, que ainda carrego comigo, “pra mode di num criá neium pobrema”. Vejam que coisa. O inofensivo “Tudo jóia!” agora é motivo de discórdia. Verdade verdadeira. Um dia desses, vi uma cena de tanta violência, porque um cidadão empregou tão imperioso insulto. Quanta loucura! Quão bruto se tornou o ser vivente! O certo é que vivemos uma “involução” em todos os aspectos. E, a pior, é a cultural. “Cega e mata”, em definitivo.

Nesta semana, fiquei pasmo, e medroso, com “um papo”, ocorrido na fila de um banco. “Ah filas benditas, que ‘vivem’ a me perseguir!” E o casal a se exasperar. Acredito que era um casal de docentes. E massacraram, sem piedade e sem dó, o Carlos. “É sêro!” Só falaram no Carlos. E socaram o Carlos. E deram rasteiras no Carlos. E, até, mandaram o Carlos “coisar”. Aí, a minha angústia começou a crescer. Afinal, é dessa forma que sou tratado em família.

Bastante “discunfiado, procurei sair, de fininho”, e me postar em uma fila bem longe daquela. Mas, como o ouvido é “terrívi, né?”, escutava ainda, quem sabe até imaginando, ante o medo, aquele Caaarrlos, Caaarrlos, Caaarrlos. Se eu fosse só um pouquinho corajoso, tinha ido lá falar ao casal. Sou o Carlos, mas sou o Zé. O Carlos, de quem o acompanhante sofre um belo “metaplasmo”. Vem reduzido. O outro Carlos, ao contrário, carrega, assim, um acompanhante imponente, pomposo e no “aumentativo”. E, com toda certeza, não está aqui, em fila alguma. E, ainda bem, né?! Acho que nem um “leão” poderia salvá-lo de tão insana selvageria.

“Não sei, não”, mas acho que agi certo. Ante tamanha ira “o melhor foi logo meter o rabo entre as pernas e vazar!”
“Que doidiça!”

Os tempos são outros, o mundo é... Kamilla Carvalho - Pensador

MULHER

Por Zé Carlos Gonçalves

Não te recolhas
ao anonimato
nem
ao silêncio vão.

quebra-os
e
trilha o caminho
de
luta
bravura
persistência
resiliência
e
carinho.

só o realizar
é o teu testemunho.

segue
e
segue
e
segue altiva
e
segura

senhora de teu dia
de tua hora
e
de teu nome

de teus projetos
e
de tuas realizações

de teus desafios
e
de teus rebentos

de teus santos
e
de tuas preces

de tuas veredas
e
de teus medos

de teus verdades
e
de tuas vontades …

vai livre
e
berra
e
luta
e
conquista
e
viva!

SOU MULHER

Por Zilda Cantanhede*

Eu sou
Eu sou tempestade na ventania
Sou ventania na calmaria
Sou resiliente
Sou frágil
Sou brava
Sou persistente, sou brasileira
Sou poesia em prosas e versos
Sou epopeia
Sou idílio, um haicai, uma trova
Sou eufórica
Tenho segredos só meus
Sou introspectiva
Sou abrigo
Sou alento, com pitadas de tormenta
Sou equilíbrio, mas vivo na raça
Sou rio de águas cristalinas
Sou córrego com obstáculos
Sou mar cheio de ondas
Sou razão com profundas raizes
Tenho rasas emoções
Sou decifrável ou indecifrável
Sou resultados
Tenho escolhas que me definem ou não!
Sou inexoravelmente humana
Sou sendo
Eu sou do verbo ser, também do substantivo vida que já me promulgou
Sou o quê sou, como também poderei vir a ser, neste emaranhado processo de viver.
Sou mulher!
Esta sou eu!

 

*Maria Zilda Costa CantanhedePresidenta da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras – AMCAL; Especialista em Linguística, Educação do Campo, Educação Pobreza e Desigualdade Social; Articulista, cronista, poetisa, revisora textual; Professora da Rede Estadual de Ensino; Supervisora de Normas e Organização da Rede Integral/ SUNORI/SEDUC/SAEPI; Coordenadora de Mostras e Feiras Científica do CNPq/MCTI; Pesquisadora do CNPq.

LILAH DE MORAIS BARRÊTO, PRAZER EM CONHECÊ-LA!

Por Ana Creusa

Você não tem ideia da marca que deixa nas pessoas (Lair Ribeiro).

Aposentei-me do serviço público em 2013, reativei minha inscrição na OAB, passei a advogar, esporadicamente, e para parentes.

Recentemente, deparei-me com uma situação que revolveu meu espírito de luta pela Justiça. O caso versa sobre contrato de promessa de compra e venda de uma casa, necessitava de providência judicial urgente.

O pedido de assistência judiciária gratuita fora negado. Para mim, uma injustiça sem par: as custas judiciais somavam mais de dez mil reais e o demandante possui vencimento bem menor e, ainda tem dois filhos – tudo comprovado nos autos. Dessa decisão denegatória da gratuidade da Justiça caberia o recurso de Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça.

Entretanto, a nossa família resolveu ratear a despesa entre familiares para que o processo fosse agilizado.

Em quatro parcelas, foram pagas as custas do processo. Porém, para surpresa de todos, o pedido de tutela antecipada fora denegado – uma estupenda injustiça, na avaliação de todos. E, pior, a decisão do juízo apenas determinou que fosse apresentada contestação, sem possibilidade de realização de audiência judicial, sob o argumento de que haveria possibilidade de acordo extrajudicial – algo que já fora tentado, sem sucesso, antes de propor a ação principal.

Vale ressaltar, que a parte demandada nunca fora localizada para intimação na ação principal. A cada devolução do mandado, havia a ameaça de extinção do processo. Novo endereço era informado, pedindo-se que a citação fosse feita por meio eletrônico e nada de localizarem o réu.

Com todo esse caos processual, o tempo passava, o desespero aumentava: sem casa e sem dinheiro, pois, os demandantes venderam seu único apartamento, para dar entrada no imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda.

Como medida de rever a negativa da Tutela de Urgência, o recurso de Agravo de Instrumento fora aviada perante o Tribunal. O desembargador-relator resolveu ouvir a parte demanda.

Como já não fora localizado na ação principal, no Tribunal, a dificuldade perdurou. Só que o réu não contava que o Mandado de Citação seria distribuído à Oficiala de Justiça LILAH DE MORAIS BARRÊTO.

A via crucis que Lilah empreendeu para localizar a empresa iniciou-se. Para mim, a servidora, com certeza, teria lido a petição do recurso e viu que não poderia deixar de citar a parte demandada.

Ela perambulou por todos os endereços possíveis, não logrou êxito em intimar a parte que se esquivava do encontro, de forma deliberada, pois já sabia do que se tratava e estava disposto a “não ser localizado”.

Lilah consultou o endereço no CNPJ no site da Receita Federal, e-mail, telefone, comunicou-se pelo WhatsApp. Finalmente, citou.  Ela relatou tudo nos autos.

Fiquei imaginando a obstinação daquela mulher, pois, tenho certeza que ela leu o processo e, consequente, ouviu os frêmitos dos jurisdicionados em busca de Justiça – o último bastião que poderiam ostentar em defesa dos seus direitos.

Assisti, na minha mente, aquela obstinação: necessitava conhecer Lilah. Fui capaz de sentir a sua indignação – pois, claramente, o demandado contava que não seria encontrado e, assim, perpetuava seu desiderato de esquivar-se da citação. 

Reconheço que os servidores do Poder Judiciário são fundamentais na distribuição da Justiça, a que todos nós temos direito, como princípio e até por direito natural. Mas aquela moça era diferente!

A necessidade de conhecer aquela valente mulher aumentou. Pesquisei no google e encontrei algumas informações sobre alguém que somente poderia ser ela! Com toda a emoção do mundo, compartilho com vocês a minibiografia dessa mulher: 

LILAH DE MORAIS BARRETO: Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA (2007) e Mestrado Acadêmico em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA (2017). Atualmente, é servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJ/MA e pesquisadora dos seguintes temas: direitos humanos, gênero, análise do discurso e violência doméstica e familiar contra a mulher. Vencedora do Prêmio Fapema 2018 – Sérgio Ferretti na categoria de melhor dissertação de mestrado das ciências humanas e sociais, com o trabalho intitulado “Violência de Gênero e Lei Maria da Penha: atuação da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de São Luís-MA na aplicação das medidas protetivas de urgência“. grifou-se. (in https://www.escavador.com/sobre/1308017/lilah-de-morais-barreto).

Fiquei uns dias pensando naquele assunto e imaginando a trajetória de uma pessoa de sucesso, na verdadeira acepção da palavra, uma servidora pública digna de admiração e respeito.

Depois da citação, o advogado do réu aviou as contrarrazões, o processo foi encaminhado ao Ministério Público, que declinou que não teria interesse público.

Compareci ao Gabinete do Desembargador-Relator, com a imagem daquela mulher na mente, chegando ao Gabinete, fui atendida por outra mulher, que ouviu meu caso e me encaminhou ao Desembargador, que também ouviu a história com atenção. Pensei: como aquele homem escolhia pessoas especiais para trabalharem com ele e pensei: Lilah faz parte desse time.

O desejo de saber mais sobre Lilah só aumentava, queria ver o seu rostinho. Pesquisei novamente sobre ela na internet e vi que ela foi palestrante em um evento da Comissão da Mulher e da Advogada da OAB Maranhão, com tema “Os desafios no tratamento da violência contra a mulher”. Mais uma vez comprovei o valor daquela mulher.

Na matéria sobre o evento acima, tinha foto de várias mulheres. Eu queria saber quem era ela. Deduzi que, talvez, se tratasse da pessoa de blusa branca. Distribuí o texto a alguns amigas para que me ajudassem a identificar a minha personagem.

Tinha que pesquisar mais. Finalmente pensei ter encontrado. Depois de grande dúvida, soube que Lilah, não é a pessoa de terno marrom, nem preto, nem branco, depois saberia, pois, não teria dificuldade em descrever o caráter daquela valente mulher: tinha seu currículo e suas ações à minha disposição.

Pude perceber que, por trás de um rosto, sobressai uma mulher digna de admiração e respeito. Viva Lilah e obrigada pela sua existência, pois, brotas em nós mulheres, o desejo e dever de deixar a nossa marca e estimular outras mulheres na luta contra as desigualdades, que não têm razão de ser, mas existem!

Com tudo isso, a curiosidade não cansava de me provocar: qual a naturalidade, filiação, teria filhos, etc, etc … ? Resolvi ficar por aqui. Como disse a professora Zezinha Bentivi: o adjunto adnominal tem limites, o resto é fuxico.

Para não entrar na intimidade da bela Diva da Justiça, paro por aqui, tendo a certeza de que cruzei, sem ser vista, com uma digna e capaz mulher, a ela minha homenagem neste Dia. A marca indelével de Lilah como uma Grande Mulher ficará para sempre registrada!

Finalmente, depois de distribuir o texto a uma dileta amiga que trabalha no Tribunal, quão não foi minha emoção quando recebi da própria Lilah a sua foto que vai em destaque neste texto.

Espero que esta singela homenagem chegue ao conhecimento de Lilah, que ela me autorize a publicar sua foto e o relato acima. Passe o tempo que passar, ninguém poderá apagar a marca que ela escreveu no meu coração agradecido.

SEM MAIS DARES NEM TOMARES, COM A PALAVRA, AS MULHERES.

Por Ana Creusa

“Não é preciso conhecer a fundo a ciência do direito para ver que não há nada, absolutamente nada que se oponha a que as mulheres exerçam entre nós todos os misteres, todas as profissões monopolizadas pelos homens”.(Arthur Azevedo, 1899).

Arthur Azevedo, em sua crônica memorável de 1899, aduz que: “sem mais dares nem tomares, o juiz deu a palavra à senhorita Myrthes de Campos”.

Com essa frase, exorte-se as mulheres para que levantem e assumam suas posições!

Registre-se que Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil, desmistificando a ideia de que o ofício era privilégio masculino. Enfrentou preconceitos, levantou bandeiras, como a do voto feminino, que veio a tornar-se realidade somente em 1932. Foi uma pioneira na luta pelos direitos femininos. E deixou sua marca também no campo da jurisprudência.

A luta das mulheres por igualdade continua presente e atual.

Nesse contexto, o dia 8 de março pode ser considerado como um dia de reflexão.

A reserva desse dia para prestar homenagem ao belo sexo foi precedida de muitas lutas. Destacando-se o ano de 1909, quando da passeata de Nova York com a participação de 15 mil mulheres.

Também, em 8 de março de 1917, um grupo de operárias saiu às ruas para protestar contra a fome e a 1ª Guerra Mundial. Mas, foram duramente repreendidas.

Finalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 1975 como o “Ano Internacional da Mulher”. A partir desse ano o dia 8 de março foi oficializado como Dia Internacional da Mulher.

Aos poucos, a mulher foi adentrando em áreas que antes eram consideradas exclusivas de homens, como Engenharia, Medicina, Advocacia, e tantas outras.

Na área da advocacia, que era considerada exclusiva dos homens, a primeira mulher a exercer a profissão e a inscrever-se no Instituto dos Advogados do Brasil (IOAB), instituição que antecedeu a OAB, foi Myrthes Gomes de Campos.

Ela estreou no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, em 1899, para defender um homem acusado de agressão a golpes de navalha.

A defesa se transformou em fato público porque era a primeira vez que uma mulher patrocinaria uma ação criminal, o que gerou até mesmo uma crônica do festejado escritor maranhense Arthur Azevedo.

No preâmbulo da sua intervenção, a causídica aproveitou a oportunidade para responder aos seus opositores e discorrer sobre o papel da mulher na sociedade:

[…] Cada vez que penetrarmos no templo da justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. […] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos. (O País, Rio de Janeiro, p. 2, 30 set. 1899).

A repercussão do êxito alcançado pela jovem de Macaé fez correr muita tinta. O escritor Artur Azevedo, empolgado com a brilhante atuação, dedicou-lhe uma crônica, publicada no jornal O País:

 […] o Juiz Viveiros de Castro, sem mais dares nem tomares, deu a palavra à senhorita Myrthes de Campos e tomou a responsabilidade desse ato, que abre um precedente que, espero, terá força de lei. […] Não é preciso conhecer a fundo a ciência do direito para ver que não há nada, absolutamente nada que se oponha a que as mulheres exerçam entre nós todos os misteres, todas as profissões monopolizadas pelos homens. Nenhum inconveniente, nenhum perigo para a ordem pública, nenhuma ameaça à harmonia social enxergo no fato […]. Demais, se as mulheres não podem advogar, mesmo depois de diplomadas, para que então as admitem nos cursos jurídicos? […] Não entra na cabeça de ninguém que as senhoras frequentem esta ou aquela academia de direito para outra coisa senão abraçar a profissão de advogado. Elas não podem (não sei por que) ser magistradas. Se lhes tiram também o direito de advogar, que diabo hão de fazer? Criar pintos? pontear meias? consertar roupa? Mas para isso não valia a pena perderem tanto tempo a estudar. […] Particularmente, consultando os meus sentimentos íntimos, a minha opinião individual, não me agrada ver mulheres em certos empregos e profissões; mas se o seu desejo é exercê-los, não há razão para contrariá-las […]. Eu não me apaixonaria nunca por uma senhora que advogasse no cível ou no crime – exceção feita da Pórcia, de “O mercador de Veneza” – isso, porém, não é motivo para não saudar com todo o entusiasmo a senhorita Myrthes de Campos. (O País, p. 3, 30 set. 1899).

A literatura registra que “a deliciosa crônica de Artur Azevedo constitui prova do comportamento paradoxal de um homem da geração de 1860, que movido de uma simpatia solidária, saudava a vitória da advogada”.

Na realidade, Arthur Azevedo teve como paradigma a sua mãe, Emília Pinto Magalhães Branco (1818-1888), mulher de personalidade forte, que conseguiu fugir com sua filha, de um casamento forçado em que era vítima de maus tratos, e, mais tarde, casou-se com o pai de Arthur e Aluísio, David Gonçalves de Azevedo.

Minha amiga Gracilene Pinto, que tem Arthur Azevedo como patrono de sua cadeira na Academia Maranhense de Trovas, relatou-me que Emília Pinto de Magalhães, com certeza influenciou a vida literária dos seus filhos Arthur e Aluísio. Tanto que, foi ela a primeira pessoa a ler o romance “O Mulato”, e, na ocasião, teria falado ao filho: – Perdoa Ana Rosa, ela foi vítima de preconceito.

Ana Rosa, personagem principal do romance, apaixonou-se por um mulato. Homem culto, com certo cabedal, porém mulato, o que desencadeou uma verdadeira guerra contra o casal de amantes e acabou por levar a moça a casar-se com o homem escolhido por seu pai.

Registre-se que, apesar de todo o precedente aberto por Myrthes de Campos, a Comissão do IOAB (atual OAB) somente deferiu plenamente a sua filiação à instituição em 1906, em assembleia cuja apuração foi de 23 votos a favor e 15 contra.

Cabe informar,  que em 2017 Esperança Garcia, mulher negra, foi considerada como sendo a primeira Advogada do Brasil exatamente porque a carta que ela escreveu ao governador do Piauí em 1770, reconhecida como petição, na qual denunciava as situações de violência que ela, sua mãe escrava, as companheiras e seus filhos sofriam na fazenda de algodão.

Existem, ainda, muitas sociedades que veem as mulheres como seres inferiores. Considero que tal comportamento não passa de medo de que as mulheres mostrem seu valor ameaçando o poderio dos homens. Esquecem esses, que homens e mulheres se completam em uma simbiose perfeita nas atividades do quotidiano e em especial, como não poderia deixar de ser, na perpetuação da espécie humana.

Feliz Dia das Mulheres.

Fontes de pesquisa: https://www.conjur.com.br/;  http://www.mulher500.org.br/; https://esperancagarcia.org/; tese de doutorado de Francélia de Jesus Uchôa Paiva com o título: As Mulheres nas Carreiras Jurídicas no País dos Bacharéis; Lucia Maria Paschoal Guimarães e Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira: Myrthes Gomes de Campos (1875-?): Pioneirismo na Luta pelo Exercício da Advocacia e Defesa da Emancipação Feminina; https://revistaseletronicas.pucrs.br/;