Por Eulálio Figueiredo*
HOMENAGEM QUE FIZ HOJE A NOITE NA MISSA EM AÇÃO DE GRAÇAS PELOS 100 ANOS DO ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO DO MEU PAI.
Boa noite.
Hoje estamos aqui reunidos, em missa de ação de graças, para celebrarmos 100 anos de nascimento do nosso pai e patriarca Raimundo Pereira de Almeida, conhecido por todos os membros da nossa família e amigos como Raimundo Castelo.
Sinceramente, não considero que nosso pai tenha morrido; ele ainda está vivo entre nós por muitas razões que haverei de demonstrar nestas poucas palavras de reflexão, principalmente porque, de acordo com o texto bíblico, a morte não é o fim, mas recomeço, renascimento.
Considero, portanto, que nosso pai partiu para viver na morada eterna do paraíso cerúleo, onde também nossa mãe Gilda, chamada carinhosamente de “Boneca”, habita com ele na tranquilidade do paraíso, sob a proteção de Deus.
Quem acredita nas promessas divinas jamais morrerá; quem encarnou com devoção e dignidade aqui na terra um papel digno do ser humano escorreito nunca terá sua existência esquecida.
Por essa razão, concluo que nosso pai ainda vive entre nós pelo seu exemplo, pelos seus ensinamentos, pelo seu companheirismo e pela saudade que jamais passará.
Na verdade, ele apenas partiu ao encontro do pai celestial. Sua partida se assemelha à do viajante, do qual nos despedimos numa estação de trem, num porto ou num aeroporto, onde, após a despedida, ficamos aguardando os veículos de transporte se afastarem de nossas vistas até sumirem definitivamente.
Perdemos o contato visual com o nosso pai, mas não conseguimos esquecer seu rosto, sua voz, seus abraços, seus beijos, suas bênçãos, seus conselhos, suas atitudes, enfim, todo o legado que fez valer a pena nossa convivência terrena com ele.
Para os padrões de qualidade de vida dos anos vividos pelo nosso pai, ele conquistou níveis suficientes de saúde e existência lúcida. Nunca perdeu a memória e a capacidade de ensinar, apesar de não haver conquistado um diploma de ensino básico, médio ou superior. Sua grande formação foi feita na escola da vida, onde os bancos escolares do cotidiano lhe ensinaram tudo que precisava aprender para ser um homem honrado e construir uma grande família.
Embora não tenha concluído o ensino primário, juntamente com nossa saudosa e cuidadosa mãe, ensinou-nos tudo que precisávamos saber durante nossa infância, desde o alfabeto para bem falarmos e escrevermos à tabuada que continha as quatro operações matemáticas. Ambos foram grandes pedagogos a nos ministrar inesquecíveis lições, que incluíam educação moral e princípios religiosos.
Recorro à memória para retratar a figura sossegada, mansa, tranquila e pacífica de nosso pai, nos finais de semana ou nas noites silenciosas, sentado à sua mesa favorita escrevendo cartas aos vaqueiros e parentes no interior do estado, quando não para o seu irmão no Rio de Janeiro, assim como avisos para o interior a serem lidos por locutores das rádios Difusora e Educadora, sem qualquer erro de ortografia.
Na sua vida de comerciante honesto, quando estava em seu armazém no bairro do Desterro ou realizando negócios com outras pessoas, não dispensava um lápis ou uma caneta para armar a conta e depois tirar a prova dos noves para assegurar-se de que seus cálculos estavam corretos, hábito, segundo ele me contou, adquirido com a professora normalista que lhe ensinou as primeiras letras e as primeiras operações aritméticas.
Juntamente com a nossa mãe era devoto dos preceitos cristãos do catolicismo. Frequentava sempre as missas dominicais da Igreja Nossa Senhora do Desterro, especialmente quando a missa era celebrada pelo seu primo, o padre Sidney Castelo Branco.
Posso dizer, sem margem de erro, que aprendemos muito com nosso pai. Ele nos ensinou coisas que eu nunca aprendi nos livros, como honestidade, honradez, ética, disciplina, humanidade e fraternidade.
Apesar do seu jeito manso, era muito fluente ao dialogar com as pessoas, independentemente de serem conhecidas ou não, posto que detinha a diplomacia no falar calmo, lento, compassado, a exemplo de um monge que prega sabedoria sacerdotal, chegando a cativar facilmente pessoas jovens ou idosas, sob o encanto de suas palavras e da maneira educada de pronunciá-las.
Tinha orgulho quando as pessoas me perguntavam: “esse senhor é teu pai?” Eu respondia sim; elas diziam: “que doce de pessoa; que diálogo notável travei com ele, num aprendizado gratuito!” Eu, no meu incomensurável envaidecimento filial, recebia tais comentários com muita alegria.
Não obstante sua educação monástica, tinha um humor aguçado e sempre estava nos contando uma história engraçada dos tempos de sua infância pobre ou mesmo contemporânea aos fatos. Nesse momento, tornava-se divertido e descontraído, ocasião em que revelava seu sorriso farto.
Malgrado as dificuldades que enfrentou na sua vida infanto-juvenil, nunca vi nosso pai queixando-se dos dissabores ou mesmo de dores. Por isso mesmo proporcionou a todos os filhos as mesmas oportunidades para estudarem e vencerem nas suas opções profissionais.
Ensinou-nos essencialmente coragem e mostrou-nos entusiasmo para vencermos o mundo, após o desligamento do abrigo familiar, onde o carinho e a proteção paternos, como regime fraterno do amor doméstico, não é idêntico ao que encontramos fora do lar, conforme a paisagem que vamos colorindo ao longo da estrada de nossas vidas.
Foram tempos felizes, como se uma saudade perene nunca apague de nossas memórias essas gostosas lembranças. Saudades que nem mesmo a morte física consegue eliminar de nossas vidas, porque a convivência terrena nos legou os melhores momentos de alegria que faz manter nosso pai vivo entre nós, numa metáfora nobilitante, igual aos sonhos e quimeras que alimentam nossas almas.
Hoje pela manhã um sobrinho nosso mandou uma mensagem de texto, dizendo que tinha um arquivo com várias fotos do nosso querido pai em seu celular. Contudo, as perdeu porque um defeito no equipamento as apagou. Pediu-me para mandar-lhe algumas. Respondi-lhe que as melhores fotos do nosso pai são as que estão gravadas em minha memória. Essas ninguém apagará, nem mesmo o tempo.
Nesta data em que celebramos, com esta santa missa de ação de graças, um século de nascimento de nosso querido pai Raimundo Pereira de Almeida, também estamos a comemorar alguns desses anos de sua existência conosco, revivendo sua lembrança, como se ele nunca tivesse partido para a morada celestial, onde convive com nossa amada mãe Gilda, sob a proteção de Deus.
Por isso invoco agora a perene proteção de Deus e da puríssima Nossa Senhora, com seu filho Jesus, à boníssima alma de nosso pai Raimundo Pereira de Almeida (Raimundo Castelo), bem como a nós seus filhos, netos e bisnetos, renovando ao Altíssimo o humilde acolhimento de nossas súplicas para a glória de nossas vidas.
Em nome de nossa família, agradeço a todos os que compareceram a este ato de fé cristã e de ação de graças.
Muito obrigado.
*Eulálio Figueiredo é natural de São João Batista (MA). Juiz de Professor do Departamento de Direito da UFMA. Escritor, poeta e compositor.