Por Ana Creusa
“Não é preciso conhecer a fundo a ciência do direito para ver que não há nada, absolutamente nada que se oponha a que as mulheres exerçam entre nós todos os misteres, todas as profissões monopolizadas pelos homens”.(Arthur Azevedo, 1899).
Arthur Azevedo, em sua crônica memorável de 1899, aduz que: “sem mais dares nem tomares, o juiz deu a palavra à senhorita Myrthes de Campos”.
Com essa frase, exorte-se as mulheres para que levantem e assumam suas posições!
Registre-se que Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil, desmistificando a ideia de que o ofício era privilégio masculino. Enfrentou preconceitos, levantou bandeiras, como a do voto feminino, que veio a tornar-se realidade somente em 1932. Foi uma pioneira na luta pelos direitos femininos. E deixou sua marca também no campo da jurisprudência.
A luta das mulheres por igualdade continua presente e atual.
Nesse contexto, o dia 8 de março pode ser considerado como um dia de reflexão.
A reserva desse dia para prestar homenagem ao belo sexo foi precedida de muitas lutas. Destacando-se o ano de 1909, quando da passeata de Nova York com a participação de 15 mil mulheres.
Também, em 8 de março de 1917, um grupo de operárias saiu às ruas para protestar contra a fome e a 1ª Guerra Mundial. Mas, foram duramente repreendidas.
Finalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 1975 como o “Ano Internacional da Mulher”. A partir desse ano o dia 8 de março foi oficializado como Dia Internacional da Mulher.
Aos poucos, a mulher foi adentrando em áreas que antes eram consideradas exclusivas de homens, como Engenharia, Medicina, Advocacia, e tantas outras.
Na área da advocacia, que era considerada exclusiva dos homens, a primeira mulher a exercer a profissão e a inscrever-se no Instituto dos Advogados do Brasil (IOAB), instituição que antecedeu a OAB, foi Myrthes Gomes de Campos.
Ela estreou no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, em 1899, para defender um homem acusado de agressão a golpes de navalha.
A defesa se transformou em fato público porque era a primeira vez que uma mulher patrocinaria uma ação criminal, o que gerou até mesmo uma crônica do festejado escritor maranhense Arthur Azevedo.
No preâmbulo da sua intervenção, a causídica aproveitou a oportunidade para responder aos seus opositores e discorrer sobre o papel da mulher na sociedade:
[…] Cada vez que penetrarmos no templo da justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. […] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos. (O País, Rio de Janeiro, p. 2, 30 set. 1899).
A repercussão do êxito alcançado pela jovem de Macaé fez correr muita tinta. O escritor Artur Azevedo, empolgado com a brilhante atuação, dedicou-lhe uma crônica, publicada no jornal O País:
[…] o Juiz Viveiros de Castro, sem mais dares nem tomares, deu a palavra à senhorita Myrthes de Campos e tomou a responsabilidade desse ato, que abre um precedente que, espero, terá força de lei. […] Não é preciso conhecer a fundo a ciência do direito para ver que não há nada, absolutamente nada que se oponha a que as mulheres exerçam entre nós todos os misteres, todas as profissões monopolizadas pelos homens. Nenhum inconveniente, nenhum perigo para a ordem pública, nenhuma ameaça à harmonia social enxergo no fato […]. Demais, se as mulheres não podem advogar, mesmo depois de diplomadas, para que então as admitem nos cursos jurídicos? […] Não entra na cabeça de ninguém que as senhoras frequentem esta ou aquela academia de direito para outra coisa senão abraçar a profissão de advogado. Elas não podem (não sei por que) ser magistradas. Se lhes tiram também o direito de advogar, que diabo hão de fazer? Criar pintos? pontear meias? consertar roupa? Mas para isso não valia a pena perderem tanto tempo a estudar. […] Particularmente, consultando os meus sentimentos íntimos, a minha opinião individual, não me agrada ver mulheres em certos empregos e profissões; mas se o seu desejo é exercê-los, não há razão para contrariá-las […]. Eu não me apaixonaria nunca por uma senhora que advogasse no cível ou no crime – exceção feita da Pórcia, de “O mercador de Veneza” – isso, porém, não é motivo para não saudar com todo o entusiasmo a senhorita Myrthes de Campos. (O País, p. 3, 30 set. 1899).
A literatura registra que “a deliciosa crônica de Artur Azevedo constitui prova do comportamento paradoxal de um homem da geração de 1860, que movido de uma simpatia solidária, saudava a vitória da advogada”.
Na realidade, Arthur Azevedo teve como paradigma a sua mãe, Emília Pinto Magalhães Branco (1818-1888), mulher de personalidade forte, que conseguiu fugir com sua filha, de um casamento forçado em que era vítima de maus tratos, e, mais tarde, casou-se com o pai de Arthur e Aluísio, David Gonçalves de Azevedo.
Minha amiga Gracilene Pinto, que tem Arthur Azevedo como patrono de sua cadeira na Academia Maranhense de Trovas, relatou-me que Emília Pinto de Magalhães, com certeza influenciou a vida literária dos seus filhos Arthur e Aluísio. Tanto que, foi ela a primeira pessoa a ler o romance “O Mulato”, e, na ocasião, teria falado ao filho: – Perdoa Ana Rosa, ela foi vítima de preconceito.
Ana Rosa, personagem principal do romance, apaixonou-se por um mulato. Homem culto, com certo cabedal, porém mulato, o que desencadeou uma verdadeira guerra contra o casal de amantes e acabou por levar a moça a casar-se com o homem escolhido por seu pai.
Registre-se que, apesar de todo o precedente aberto por Myrthes de Campos, a Comissão do IOAB (atual OAB) somente deferiu plenamente a sua filiação à instituição em 1906, em assembleia cuja apuração foi de 23 votos a favor e 15 contra.
Cabe informar, que em 2017 Esperança Garcia, mulher negra, foi considerada como sendo a primeira Advogada do Brasil exatamente porque a carta que ela escreveu ao governador do Piauí em 1770, reconhecida como petição, na qual denunciava as situações de violência que ela, sua mãe escrava, as companheiras e seus filhos sofriam na fazenda de algodão.
Existem, ainda, muitas sociedades que veem as mulheres como seres inferiores. Considero que tal comportamento não passa de medo de que as mulheres mostrem seu valor ameaçando o poderio dos homens. Esquecem esses, que homens e mulheres se completam em uma simbiose perfeita nas atividades do quotidiano e em especial, como não poderia deixar de ser, na perpetuação da espécie humana.
Feliz Dia das Mulheres.
Fontes de pesquisa: https://www.conjur.com.br/; http://www.mulher500.org.br/; https://esperancagarcia.org/; tese de doutorado de Francélia de Jesus Uchôa Paiva com o título: As Mulheres nas Carreiras Jurídicas no País dos Bacharéis; Lucia Maria Paschoal Guimarães e Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira: Myrthes Gomes de Campos (1875-?): Pioneirismo na Luta pelo Exercício da Advocacia e Defesa da Emancipação Feminina; https://revistaseletronicas.pucrs.br/;