NAS ÁGUAS DE MARÇO
Por Gracilene Pinto
Noite escura e tenebrosa
Lá nos campos da Baixada.
A chuva descia em torrentes
Com a força da invernada
Lavando casas e matas,
Daquele ermo sertão,
Com as fortes águas de março
Deste nosso Maranhão.
Como diziam os mais velhos,
Chuva é sinal de fartura.
É bênção de Deus que ameniza
O rigor da vida dura.
É sinal de abundância,
Na terra, na água, no céu:
Peixes, aves, boa safra,
Arroz, farinha, a granel.
Com o barulho das torrentes
Não se ouvia quase nada,
Só a orquestra coaxante
Da imensa saparada.
Mas, alguém de bons ouvidos,
Prestando bem atenção,
Iria ouvir uns gemidos
De dor e muita aflição.
Uma bela moça ruiva,
Gemendo em grande sofrer,
Fazia força ajudando
O seu filhinho a nascer.
Do mesmo modo que um dia
Sofrera a mãe de Jesus,
Ela era também Maria
E tentava ao filho dar a luz.
A mãe, a irmã, as vizinhas,
Rezavam com devoção,
Pai-Nossos, Ave Marias,
O Rosário da Conceição.
A moça sofria tanto!
Tanto gemia, coitada!
E a criança não nascia
Com chá, com reza, com nada!
Foi, então, com grande fé,
Nascida do coração,
Que à Senhora do Rosário
Numa contrita oração
Pediu ajuda e socorro,
A bela Maria das Graças.
Clamando ao auxílio divino,
Suplicava pelas graças:
Que viesse logo o bebê,
Cheio de saúde e beleza.
Corpo de anjinho barroco
E rostinho de princesa.
A prece chegou ao céu
E o milagre aconteceu:
Um olhar da cor do mel
Em São Vicente nasceu.
Pelas dez horas da noite
A neném tão esperada
Deu seu grito de vitória
Chorando desesperada.
Do jeito que a mãe pediu
Veio ao mundo, a pequenina.
E assim todo mundo viu
A grande bênção divina.
Ainda era doze de março,
E a chuva continuava.
Sagrada água de março
Que a menina batizava.
… Enfim, nasci!