Por Ana Creusa
Você não tem ideia da marca que deixa nas pessoas (Lair Ribeiro).
Aposentei-me do serviço público em 2013, reativei minha inscrição na OAB, passei a advogar, esporadicamente, e para parentes.
Recentemente, deparei-me com uma situação que revolveu meu espírito de luta pela Justiça. O caso versa sobre contrato de promessa de compra e venda de uma casa, necessitava de providência judicial urgente.
O pedido de assistência judiciária gratuita fora negado. Para mim, uma injustiça sem par: as custas judiciais somavam mais de dez mil reais e o demandante possui vencimento bem menor e, ainda tem dois filhos – tudo comprovado nos autos. Dessa decisão denegatória da gratuidade da Justiça caberia o recurso de Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça.
Entretanto, a nossa família resolveu ratear a despesa entre familiares para que o processo fosse agilizado.
Em quatro parcelas, foram pagas as custas do processo. Porém, para surpresa de todos, o pedido de tutela antecipada fora denegado – uma estupenda injustiça, na avaliação de todos. E, pior, a decisão do juízo apenas determinou que fosse apresentada contestação, sem possibilidade de realização de audiência judicial, sob o argumento de que haveria possibilidade de acordo extrajudicial – algo que já fora tentado, sem sucesso, antes de propor a ação principal.
Vale ressaltar, que a parte demandada nunca fora localizada para intimação na ação principal. A cada devolução do mandado, havia a ameaça de extinção do processo. Novo endereço era informado, pedindo-se que a citação fosse feita por meio eletrônico e nada de localizarem o réu.
Com todo esse caos processual, o tempo passava, o desespero aumentava: sem casa e sem dinheiro, pois, os demandantes venderam seu único apartamento, para dar entrada no imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda.
Como medida de rever a negativa da Tutela de Urgência, o recurso de Agravo de Instrumento fora aviada perante o Tribunal. O desembargador-relator resolveu ouvir a parte demanda.
Como já não fora localizado na ação principal, no Tribunal, a dificuldade perdurou. Só que o réu não contava que o Mandado de Citação seria distribuído à Oficiala de Justiça LILAH DE MORAIS BARRÊTO.
A via crucis que Lilah empreendeu para localizar a empresa iniciou-se. Para mim, a servidora, com certeza, teria lido a petição do recurso e viu que não poderia deixar de citar a parte demandada.
Ela perambulou por todos os endereços possíveis, não logrou êxito em intimar a parte que se esquivava do encontro, de forma deliberada, pois já sabia do que se tratava e estava disposto a “não ser localizado”.
Lilah consultou o endereço no CNPJ no site da Receita Federal, e-mail, telefone, comunicou-se pelo WhatsApp. Finalmente, citou. Ela relatou tudo nos autos.
Fiquei imaginando a obstinação daquela mulher, pois, tenho certeza que ela leu o processo e, consequente, ouviu os frêmitos dos jurisdicionados em busca de Justiça – o último bastião que poderiam ostentar em defesa dos seus direitos.
Assisti, na minha mente, aquela obstinação: necessitava conhecer Lilah. Fui capaz de sentir a sua indignação – pois, claramente, o demandado contava que não seria encontrado e, assim, perpetuava seu desiderato de esquivar-se da citação.
Reconheço que os servidores do Poder Judiciário são fundamentais na distribuição da Justiça, a que todos nós temos direito, como princípio e até por direito natural. Mas aquela moça era diferente!
A necessidade de conhecer aquela valente mulher aumentou. Pesquisei no google e encontrei algumas informações sobre alguém que somente poderia ser ela! Com toda a emoção do mundo, compartilho com vocês a minibiografia dessa mulher:
LILAH DE MORAIS BARRETO: Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA (2007) e Mestrado Acadêmico em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA (2017). Atualmente, é servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJ/MA e pesquisadora dos seguintes temas: direitos humanos, gênero, análise do discurso e violência doméstica e familiar contra a mulher. Vencedora do Prêmio Fapema 2018 – Sérgio Ferretti na categoria de melhor dissertação de mestrado das ciências humanas e sociais, com o trabalho intitulado “Violência de Gênero e Lei Maria da Penha: atuação da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de São Luís-MA na aplicação das medidas protetivas de urgência“. grifou-se. (in https://www.escavador.com/sobre/1308017/lilah-de-morais-barreto).
Fiquei uns dias pensando naquele assunto e imaginando a trajetória de uma pessoa de sucesso, na verdadeira acepção da palavra, uma servidora pública digna de admiração e respeito.
Depois da citação, o advogado do réu aviou as contrarrazões, o processo foi encaminhado ao Ministério Público, que declinou que não teria interesse público.
Compareci ao Gabinete do Desembargador-Relator, com a imagem daquela mulher na mente, chegando ao Gabinete, fui atendida por outra mulher, que ouviu meu caso e me encaminhou ao Desembargador, que também ouviu a história com atenção. Pensei: como aquele homem escolhia pessoas especiais para trabalharem com ele e pensei: Lilah faz parte desse time.
O desejo de saber mais sobre Lilah só aumentava, queria ver o seu rostinho. Pesquisei novamente sobre ela na internet e vi que ela foi palestrante em um evento da Comissão da Mulher e da Advogada da OAB Maranhão, com tema “Os desafios no tratamento da violência contra a mulher”. Mais uma vez comprovei o valor daquela mulher.
Na matéria sobre o evento acima, tinha foto de várias mulheres. Eu queria saber quem era ela. Deduzi que, talvez, se tratasse da pessoa de blusa branca. Distribuí o texto a alguns amigas para que me ajudassem a identificar a minha personagem.
Tinha que pesquisar mais. Finalmente pensei ter encontrado. Depois de grande dúvida, soube que Lilah, não é a pessoa de terno marrom, nem preto, nem branco, depois saberia, pois, não teria dificuldade em descrever o caráter daquela valente mulher: tinha seu currículo e suas ações à minha disposição.
Pude perceber que, por trás de um rosto, sobressai uma mulher digna de admiração e respeito. Viva Lilah e obrigada pela sua existência, pois, brotas em nós mulheres, o desejo e dever de deixar a nossa marca e estimular outras mulheres na luta contra as desigualdades, que não têm razão de ser, mas existem!
Com tudo isso, a curiosidade não cansava de me provocar: qual a naturalidade, filiação, teria filhos, etc, etc … ? Resolvi ficar por aqui. Como disse a professora Zezinha Bentivi: o adjunto adnominal tem limites, o resto é fuxico.
Para não entrar na intimidade da bela Diva da Justiça, paro por aqui, tendo a certeza de que cruzei, sem ser vista, com uma digna e capaz mulher, a ela minha homenagem neste Dia. A marca indelével de Lilah como uma Grande Mulher ficará para sempre registrada!
Finalmente, depois de distribuir o texto a uma dileta amiga que trabalha no Tribunal, quão não foi minha emoção quando recebi da própria Lilah a sua foto que vai em destaque neste texto.
Espero que esta singela homenagem chegue ao conhecimento de Lilah, que ela me autorize a publicar sua foto e o relato acima. Passe o tempo que passar, ninguém poderá apagar a marca que ela escreveu no meu coração agradecido.
Fico feliz com o reconhecimento da função do oficial de justiça, essa colega é um exemplo de profissional.
Excelente reflexão forense e reconhecimento público a quem atua nos bastidores, porém cumpre papel decisivo na prestação jurisdicional.