GONÇALVES DIAS É O MAIOR E MAIS COMPLETO POETA DO BRASIL

Por Albertinho Mota*

Gonçalves Dias é o maior e o mais completo poeta que o Brasil criou, ele vive e viverá na nossa literatura. Vive e viverá também pela sua influência, que foi considerável e legítima e não cessou ainda de todo, e que porventura reviverá quando, passado este momento de exotismo desvairado e incoerente, volvermos à mesma fonte donde dimana o nosso sentimento, não indígena e nativista, mas social e humano. (VERÍSSIMO, 1915, p.115).

Antônio Gonçalves Dias

A fama do maranhense fora tamanha que era o nome brasileiro nos principais periódicos de Portugal, desde o lançamento dos seus Primeiros Cantos em 1847, até o final do século.

Nem Álvares de Azevedo e nem Casimiro de Abreu, no século XIX, o grande nome da poesia romântica, fora Gonçalves Dias. O autor de Os Timbiras foi, com veemência, o brasileiro de maior receptividade de sua época. Se debruçaram sobre sua obra expressivos nomes de nossa língua pátria, como: Alexandre Herculano, Ramalho Ortigão, Lopes de Mendonça, Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco, Inocêncio Francisco da Silva.

Já Graduado em Direito pela Universidade de Coimbra o caxiense retorna para sua terra natal em 1845, porém sua estadia não é longa “ralado de desgostos, por motivos que não se declara” como afirma um de seus grandes amigos e biógrafos, todavia, dar-se a entender que sua breve estadia se deu por conflitos familiares provenientes da coexistência entre a mãe e a madrasta. Em 1846, o poeta se dirige para o Rio de Janeiro onde publica os seus Primeiros Cantos que foi muito bem recebido pela crítica fluminense com calorosos e merecidos encômios que reconheceram nesta obra os dons de expressão muito superiores e que atestariam a posteriori a grandeza do primeiro grande poeta do Brasil.

Pode-se supor que tamanha repercussão do seu gênio nos primeiros anos de sua carreira tenha tido Alexandre Herculano um grande responsável, pois o mesmo já era um político e crítico literário de renome nas letras portuguesas e na vida social lusitana. Assim, quando o baluarte do romance português moderno se interessou pela obra do jovem poeta brasileiro houve uma grande agitação em torno de Gonçalves Dias.

Alexandre Herculano envolvido no descontentamento com as letras lusitanas no pós golpe de estado em 1842, quando o ministro português Costa Cabral depôs o governo do qual fazia parte e implementou uma ação política cujo modelo era o realismo político em detrimento do modelo romântico. É nesse clima que Alexandre Herculano toma a obra de Gonçalves Dias que transpirava a jovialidade e a esperança transmitida pela América.

No estudo intitulado “Futuro literário de Portugal e do Brasil”, subintitulado significativamente “Por ocasião da leitura dos primeiros cantos: poesias do Sr. Antonio Gonçalves Dias”, Herculano enfoca o quadro político da nação brasileira, a fim de confirmar a independência da nação brasileira como algo natural do desenvolvimento da sociedade tupiniquim e não com certo trocismo, como alegado por outros estudiosos da época.

Em uma das analogias de cunho biológico proferidas no texto “Portugal é o velho aborrido e triste, que se volve dolorosamente no seu leito de decrepidez”, é “o ancião na tristeza de seu vegetar inerte, e que, encostado na borda do túmulo, deplora (…) o mundo que vai morrer! (HERCULANO, 1847-1848, p. 5-8). Diferente de Portugal, o Brasil é “um país cheio de esperanças, cheio de viço e de vida”, é “mancebo vigoroso que derriba um velho caquético, demente e paralítico”, é “a nação inteira infante que sorria” (HERCULANO, 1847-1848, p. 5-8).

No contexto pregado em analogia por Herculano identificamos que Gonçalves Dias, é elevado à condição de “autor da verdadeira poesia nacional do Brasil” (HERCULANO, 1847-1848, p. 5-8) e com essas palavras o artista português apadrinha o jovem caxiense ao debutá-lo pelas suas competentes mãos já conhecidas pelas letras lusitanas.

Seguindo as expectativas geradas pelos Primeiros Cantos logo vieram os Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão, publicados também no Rio, dois anos depois e que atestaram o pensamento poético vigoroso e a riqueza da inspiração lírica de Gonçalves Dias. Ao falarmos sobre essa inspiração lírica na poética gonçalvina é imprescindível falarmos da figura do índio que se coloca aí não como figurante ou elemento de ação mais como personagem principal, o herói, sendo ele objeto de simpatia do poeta.

Na sua obra I-Juca Pirama o poeta caxiense cria uma das grandes obras primas de nossa língua e de nossa poesia que mescla o épico europeu com as vicissitudes do aborígene local e cuja expressão é mais rica, variada e melodiosa do que qualquer outro poema nacional até então criado. Assim como nenhum poeta moderno teve como Camões o sentimento de paganismo e do seu maravilhoso da mesma forma nenhum poeta brasileiro, verso ou prosa, teve em grau igual do de Gonçalves Dias no que cerne o sentimento de nosso índio e do que lhe constituía feição própria – excetuando José de Alencar.

O seu indianismo mais que uma predileção externava o seu “brasileirismo” que servia de ponte para falar com o nosso povo, na massa do sangue, que lhe era outorgado desde o seu nascimento e ao longo de sua criação em um meio genuinamente brasileiro e de influições da raça indígena na formação de seu psique que o guiaram ao estudo profundo de suas raízes que em comungo com os dissabores da vida forjaram um dos maiores poetas da língua portuguesa.

É primeiro o afastamento do torrão natal e do carinho materno em anos verdes, a perda do pai e o isolamento em terra estranha, a amargura do seu nascimento mais que humilde, o sentimento da sua inferioridade social — contrastando com a sua fidalguia moral e mental, é a humilhação de viver de amigos, é a sua penúria de recursos e mesquinhez de vida, é o desencontro de suas ambições com as suas possibilidades, é o convívio do meio mesquinho seu conterrâneo e por fim e acaso mais que tudo, quando já lhe sorrira a glória e ele assim mesmo se enobrecera pelo gênio e trabalho, a recusa da mulher muito amada, por motivo do seu nascimento. Não há, ou apenas haverá um destes passos da sua vida dolorosa, aos quais outros fora possível acrescentar, que não tenha deixado impressões, ecos, vislumbres nos seus poemas. A nostalgia inspira-lhe a Canção do exílio, no seu gênero e ingenuidade acaso o mais sublime trecho lírico da nossa poesia, a expressão mais intensa e mais exata do nosso íntimo sentimento pátrio. As agruras da sua juventude as Saudades, de tão fina sensação dolorosa, de tão bela e comovedora expressão. Os seus amores infelizes esses dois soberbíssimos trechos sem iguais no nosso lirismo: Se se morre de amor e Ainda uma vez, adeus, e mais aquele encantador No jardim, amostra peregrina em a nossa poesia de emoção profunda casada à profunda singeleza. (VERÍSSIMO, 1915, p.113).   

Ao longo de sua vida poética ainda produziu outras obras de efeito como D. Leonor de Mendonça (1847), Patkul (1843), Beatriz Cenci (1844) e mais tarde Boabdil (1860), sendo que, todos só foram publicados postumamente e não menos importante, embora esquecido, o poeta escreveu ainda em Coimbra um título realista chamado Memórias de Agapito Goiaba. Além do talento poético é evidente o talento erudito de Gonçalves Dias que o fez escrever para revistas e jornais, ensaios apenas encetados, folhetins, Dicionário da Língua Tupi e O Vocabulário da língua geral… usado no alto Amazonas.

Em 1862, o poeta retornou à Europa para fazer um tratamento de saúde. Como não obteve resultados, decidiu voltar ao Brasil. A viagem foi no navio Ville de Boulogne, que naufragou na costa brasileira em 3 de novembro de 1864. Todos se salvaram, menos Gonçalves Dias, que, debilitado, não conseguiu sair do seu camarote a tempo.

*Albertinho Sousa da Mota é bacharel em Direito e licenciado em Letras pela Universidade Federal do Maranhão; mestre em Ciências Jurídicas e doutorando em Ciências Jurídicas.


BORRALHOS, José Henrique de Paula.  A Athenas Equinocial: a fundação de um Maranhão no Império brasileiro. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2009. 

D’ABBEVILE, Claude. História da missão dos padres capuchinos da Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975.

HERCULANO, Alexandre. Futuro literário de Portugal e do Brasil. Por ocasião da leitura dos Primeiros cantos: poesias do Sr. A. Gonçalves Dias. Revista Universal Lisbonense, Jornal de Interesses Físicos, Intelectuais e Morais, Lisboa, p. 5-8, 1847-1848. O texto encontra-se reproduzido em: Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v. 1,
n. 2, p. 73-82, jun. 1995.

LOPES, Antônio. História da imprensa no Maranhão (1821-1925). Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1959, p.23.

MORAIS, Jomar. Apontamentos da Literatura Maranhense. São Luís: Sioge, 1977. 2ª edição.

VERÍSSIMO, José.. História da Literatura Brasileira.  Departamento Nacional do Livro, 1915.

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