Por Ana Creusa
Quem conheceu José dos Santos pessoalmente sabe que ele não era um ser humano comum. Alguns dizem que, pessoas como ele, nascem de cem em cem anos. Eu, porém, os afirmo: ele foi e será único. Não como todos nós somos, mas pela sua história e trajetória de vida. Tudo parece ter sido meticulosamente planejado, cada evento, cada experiência que ele viveu.
Ciente dessa singularidade desse ser humano, não podemos deixar morrer a sua história e não basta a passagem verbal de pais para filhos e netos. É necessário que se deixe registros definitivos de sua passagem entre nós.
Foi com esse espírito de missão que me aventuro em registrar parte da experiência marcante que tive com meu pai, desde a minha infância, até sua morte aos 95 anos.
Lembrando da história do meu pai, comparo-a aos pais de figuras famosos da literatura como a que relata Frank Kafka, em sua memorável Carta ao Pai, a qual retrata o devastador acerto de contas com a figura tirânica de seu pai. Também, na obra Ribamar de José Castello que relembra os momentos terminais de seu pai, que declara: “Não vou adoçar nada: seu corpo, murcho e disforme, me enoja”. Também ouvi relatos de amigos que relembram seus pais pela dureza, com surras cruéis e totalmente injustas.
Papai era o oposto disso, como relatado no prefácio por seu neto José Sodré Ferreira Neto, ele educava pelo exemplo com mansidão e amor. Ele sempre fora assim, não apenas quando ganhou experiência pela idade, como era de se supor. Suas atitudes, gestos e palavras pareciam ser sempre meticulosamente planejadas. Era possuidor de uma inteligência rara, que lhe permitia um humor respeitoso e extremamente engaçado.
Possuía sorriso fácil, era extremante dócil. Porém, todos lhe dispensavam um respeito comovente. Todos pareciam querer agradá-lo em suas preferências. Era sempre muito gratificante servi-lo. Atender às suas vontades. Ele possuía uma aura de luz que irradiava naqueles que dele se aproximavam.
Meu pai era um ser humano perfeito. Até aquilo que poderia ser considerado defeito para alguns, para nós era um charme, um elemento diferenciador de sua personalidade marcada pela ternura, sabedoria e sensibilidade.
José dos Santos é natural de Palmeirândia, terra de seus pais. Foi criado no Povoado Cametá, no Sítio Jurema – Peri-Mirim/MA, nasceu eu 02/02/1922, filho de Ricardina Santos e Máximo Almeida, o nome do seu pai não consta no seu registro de nascimento, pois seus pais não eram casados. Sua mãe era negra e seu pai, louro de olhos azuis. Pelos padrões da época, não havia casamento entre essas raças.
Na época predominava os bailes separados pela cor da pele. José na adolescência, apesar de não ser negro, geralmente, sofria resistência para entrar nos “bailes dos brancos”, por ser filho de Ricardina.
Sua mãe teve oito filhos, mas faleceu muito jovem, quando José tinha apenas 18 anos. Na época, sua mãe não tinha nenhum companheiro – criava os filhos sozinha.
Homem de poucas letras, estudou apenas três meses. Naquela época não tinha escolas, os professores eram contratados pelos fazendeiros para educar apenas os seus filhos. João Guilherme e Mariana Martins contrataram uma professora para ensinar seus filhos e Ricardina pediu para que os amigos deixassem seus filhos maiorzinhos estudarem na casa deles.
Após três meses José já sabia ler e rabiscar algumas letras. A professora mandou comprar-lhe livro de 2.º Ano, porém, a professora teve que ir embora, por se envolver em um triângulo amoroso que contrariava a vontade dos patrões.
A professora pediu a Santoca (alcunha da mãe de José), para que levasse José consigo, para que ele pudesse aprender mais. Mas a mãe não podia deixar: José era seu filho mais velho e já lhe ajudava nas tarefas da vida.
Sem a professora, mas com o Livro de 2.º Ano nas mãos, José leu e releu o livro. Memorizou todas as lições, que mais tarde viria a contar para seus filhos e netos: ele sabia os afluentes da margem direita e esquerda do Rio Amazonas e várias lições como: “Vá e entrega-se ao vício da embriaguez” e tantas outras que contaremos neste livro.
Antes de falecer, Ricardina pediu a José e Maria Santos que cuidassem dos seus irmãos. O irmão mais novo, Manoel Santos, tinha apenas 2 (dois) anos de idade.
Os filhos de Ricardina são: 1) Joelzila; 2) Maria dos Santos; 3) José dos Santos; 4) João Pedro; 5) Alípio; 6) Antônio; 7) Izidorio e 8) Manoel. Destes, apenas João Pedro ainda está vivo.
José tinha muitos sonhos, o mais forte deles era servir a Pátria Amada. Ele gostaria de seguir a carreira militar no Exército Brasileiro e tocar clarinete na Orquestra do Exército, mas com a missão de continuar a criação dos seus irmãos, não pôde realizar esse sonho.
Com esse sonho ainda vivo, José estimulou os seus irmãos a servir o Exército, Alípio e Antônio engajaram na Polícia Militar (PM) do Maranhão. Antônio foi destacado para o município de Coelho Neto, para dar segurança à família Duque Bacelar e depois deixou a PM e por lá casou-se e tive seus filhos.
Alípio permaneceu na PM, galgando a maior posição que um Praça pode alcançar, cargo em que se reformou.
José e Maria Santos criaram seus irmãos com princípios e valores sólidos: todos lhe tomavam a bênção e lhes deviam respeito. Os irmãos homens tinham o hábito de somente sentar-se à mesa na cabeceira, mas quando Zé Santos os visitava, na hora das refeições, todos eles cediam o lugar da cabeceira da mesa para José, que comandava a Família do irmão naquele momento solene, sempre antecedido de orações. Pode-se ver que José cumpriu muito bem a missão que a sua mãe lhe confiou.
José na mocidade, cumpre registrar, era um jovem simpático, forte e musculoso, campeão de cana-de-braço, amansador de burro bravo, pé de valsa, brincante de bumba-meu-boi, comparecia às festas com terno de linho belga “arvo”[1], sapatos de couro, sorriso fácil, era muito cobiçado pelas moças do lugar.
José começou a namorar uma moça, filha do fazendeiro Benvindo Mariano Martins. Ela é Maria Amélia, sabia ler, escrever, fazer belas costuras e bordados e tinha um belo jardim, que costumava cuidar no final da tarde, quando Zé Santos já saía do trabalho e por ali conversavam.
Casaram-se e tiveram muitos filhos: 1) Francisco Xavier; 2) Ademir de Jesus (in memoriam); 3) Cleonice; 4) Edmílson José; 5) Ricardina; 6) Ademir; 7) Maria do Nascimento; 8) Ana Creusa; 9) Ana Cléres; 10) José Maria e 11) Carlos Magno (in memoriam).
José era um exímio educador, pois educava com amor, carinho e, principalmente pelo exemplo, pois era líder comunitário em Peri-Mirim, juntamente com Pedro Martins. José Santos era um homem de Fé.
Antes de falecer, José ainda queria realizar um sonho: construir uma casinha no exato lugar onde fora criado (na Jurema), para que fosse celebrado o seu aniversário, com uma missa em homenagem à sua mãe Ricardina. Ele realizou esse sonho como idealizou, aos seus 94 (noventa e quatro) anos.
Também idealizou que uma vez por ano fosse feita uma reunião na Comunidade de Cametá, na casa que construiu para homenagear a sua mãe, para que todos se reunissem para celebrar a união e gratidão pelas pessoas do lugar.
Ao evento deu-se o nome de Ação de Graças na Jurema. José faleceu antes que fosse realizada a 1.ª Ação de Graças que idealizou para que fosse realizado todo ano. Já foram realizadas sete ações de graças, nas seguintes datas:
I – 29 de julho de 2017 (utilizada a mesma camisa da missa de mês da morte de José Santos, na cor branca);
II – 28 de julho de 2018 (camisa de cor branca, com logomarca provisória);
III – 27 de julho de 2019 (camisa na cor amarela com logomarca definitiva); em 2020 não houve o evento devido a Pandemia da Covid-19;
IV – 20 de novembro de 2021 (Camisa cor Azul);
V – 19 de novembro de 2022 (Camisa cor Verde);
VI – 14 de outubro de 2023 (Camisa cor Abóbora);
VII – 16 de novembro de 2024 (Camisa Rosa Pink) e
VIII – 20 de setembro de 2025 (Camisa cor Verde Limão).
José dos Santos era um líder, um educador nato, possuidor de uma inteligência ímpar, um homem digno, que mereceu entrar para a imortalidade ao ser escolhido para ser um dos patronos da Academia de Letras, Ciências e Artes Perimiriense, para que sua história seja contada às futuras gerações – foi um homem exemplar, motivo de orgulho para toda a sua descendência.
José dos Santos sempre pregou a União, vivia na graça, era um Homem Feliz, faleceu no dia 25 de fevereiro de 2017, aos 95 (noventa e cinco) anos, em São Luís, onde está sepultado juntamente com seu filho mais novo, Carlos Magno.
[1] Refere-se à cor branca.