A FANTÁSTICA GALERIA!

Por Zé Carlos

Era uma vez …

… um lugar encantado. A Baixada maranhense. Baixada, que, de tão encantada, se tornou, de verdade, a encantar os seus.

E, nesse mar de encantamento, chamou-me um pequeno recanto, por quem fui acolhido, para sentir a Princesa pulsar dentro e fora de mim, numa relação absurdamente única.
Em tal recanto, vi, ouvi e vivi as mais fantásticas práticas e belezas humanas. Belezas, que se apresentam, em minhas lembranças, vivas e pulsantes, tais quais autênticas obras de arte, a enveredarem-se por travessas e ruas, fazendo-me, invariavelmente, a alegria, nos benditos anos 70 e 80.

Que ansiedade e emoção escutar o insistente, delicioso e longínquo “piiroolééé”, enriba do apogeu da queimação da tarde, com a certeza de que a refrescância do maracujá inundar-me-ia o corpo e a alma, pois o litro já se encontrava reservado para tal. O litro, sim. Valia mais que o dólar no mercado negro.

Só quem “caçou” um litro, ou uma garrafa, sabe o prazer de escolher e desfrutar do sabor suado e especial de um “pirolé” ou de um pirulito, enfiado no palito, enfiado na tábua, repleta de furos. Sem qualquer maldade, “lembi inté os beço”!

Mas, a beleza não fica só até aí. Vem-me a figura do vendedor de peixes, com o seu cofo enfiado em um pedaço de pau, acomodado no ombro, a vender uma “pratada” de acarás ou de piabas. Que maravilha de cena, a colorir as minhas manhãs, tal uma tela de Fransoufer. Beleza, que continua, mesmo depois que a “modernidade” introduziu uma caixa de isopor, na garupa da “bicicreta” ou em um carrinho de mão. A pureza d’alma ainda permanece!

E, as telas não param por aí. Eis que surge o vendedor de verduras, com a clarividência de todo dia, a adivinhar que o cozidão reclama por maxixe, quiabo, “jermum” e vinagreira. Um desfilar de cores, cheiros e sabores, a temperar a minha infância, em definitivo.

Nas mesmas passarelas, vêm surgindo os entregadores do Teimosão, a matar a curiosidade e a sede de saber. O entregador de pão, deslizando, madrugada a dentro, em perfeito silêncio. O entregador de leite, com uns canjirões gulosos e encardidos, a engolir a faminta caneca, que nunca estava saciada. Também, em suas empolgações, os vendedores de murici, de camarão, de marrecas, de frigideiras, de panelas, de papeiros, de bacias, de penicos, de bananas. Este último, em minha casa, não tinha vez. Bananas só eram adquiridas no seu Alvino ou no seu Zé de Cristina. Outras não tinham gosto! Haja manias!
Manias, que me levavam à procura dos vendedores de São Bento, para comprar queijo e jaçanãs. Não há queijo igual! Já as jaçanãs eram as mais gordas! Acho que eram mais jaçanãs que as nossas jaçanãs! Haja manias!

Religiosamente, às vésperas do Natal, recebíamos o vendedor de joias, que me fascinavam com as suas maletas, recheadas de rolos, recheados de preciosidades. Quanta vontade de ficar com tudo!

Nesse fantástico cenário, despontava o rei, além do Momo. O rei dos vendedores. Sem igual! Fula! Com o seu inseparável búzio, a anunciar “baguinhos, cabeças gordas, jejus, traíras … num festival de gracejos, ditos e relaxos. Num festival de alegria!

Também, desfilavam os cobradores. Pouquíssimos, por sinal. Vislumbro o das Casas Pernambucanas e o da Casa Saldanha, que apareciam, geralmente, com mais acanhamento do que os devedores.
Ah, tempo de pinturas fantásticas! Uma verdadeira galeria!

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